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O caso da prescrição por DCI

Toda a oposição aprovou a prescrição médica por DCI, isto é, os médicos deixam de receitar medicamentos pela sua marca e passam a receitar unicamente pela substância activa. Curiosamente o Partido Socialista votou contra...

Provavelmente o nosso governo já chegou a uma fase da sua vida em que a vergonha desapareceu toda. Provavelmente José Sócrates já se esqueceu do que significa Estado Social, social-democracia ou mesmo o que quer dizer pobreza ou classe média. Provavelmente a ministra da saúde já se esqueceu que é médica….

Esta semana toda a oposição aprovou a prescrição médica por DCI – denominação comum internacional – isto é, os médicos deixam de receitar medicamentos pela sua marca e passam a receitar unicamente pela substância activa, pela molécula propriamente dita. Curiosamente o Partido Socialista votou contra – ainda que esta medida tenha figurado no programa eleitoral do governo em 2005 e novamente em 2009. O efeito mais imediato desta medida é dotar o utente de um poder de escolha que até agora estava dependente, exclusivamente da vontade do médico. Assim utentes poderão passar a exigir na farmácia o mais barato dos medicamentos que contêm a molécula desejada. Muitas foram as vozes que em Portugal se manifestaram contra. A própria Ordem dos Médicos lançou já há vários anos, uma campanha pela classe médica para recusar tal ideia, afirmando que os medicamentos de diferentes marcas não eram todos iguais. Ora a Ordem pode dizer ao público o que bem entender mas o facto é que já existe um organismo competente, o Infarmed, cuja função é avaliar a qualidade das várias marcas de medicamentos e garantir que os genéricos são bioequivalentes entre si e em relação às marcas. A Ordem não tem essa competência nem capacidade técnica para fazer esta avaliação, por isso a sua posição é meramente corporativa e baseada em mitos. A Ordem nunca se importou com o facto de já em internamento nos nossos hospitais os médicos prescreverem por DCI há muitos anos. Também não se importou em defender porque razão deveríamos continuar uma prática que já foi abandonada em quase todo o mundo.

Mas a Ordem dos Médicos tem uma função classista e de defesa dos interesses dos profissionais que representa, não espantando por isso esta posição. Já a ministra deveria comportar-se de maneira completamente diferente e a própria bancada do PS deveria ter justificado melhor porque recusou, isolada no parlamento, a prescrição por DCI. Numa altura em que se conhecem os verdadeiros valores dos aumentos dos medicamentos para os doentes, nas semanas em que o governo cede claramente às pressões das farmacêuticas recusando a redução de 6% no preço dos medicamentos e deixando ao cargo dos utentes os aumentos previstos e sobretudo nos tempos de crise em que vivemos, votar contra a prescrição por DCI é absolutamente injustificável de todos os pontos de vista e mais alguns.

E é por estas e por outras que eu acho que governo e ministra já perderam toda a vergonha na cara e já nem se preocupam em esconder que tipo de interesses defendem e quem querem ver pagar a crise dos mercados financeiros.

Sobre o/a autor(a)

Médico neurologista, ativista pela legalização da cannabis e da morte assistida
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