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Os equívocos de Pedro Lomba
A discussão é cíclica: de cada vez que o regime social treme, os governos europeus encontram refúgio na retórica conservadora sobre a imigração. A narrativa sobre a “invasão eminente” tem sido constantemente utilizada para justificar a construção de uma muralha política em torno da Europa. Com o incentivo das instituições europeias e o suporte militarizado do Frontex1, os países periféricos do Sul foram transformados em verdadeiras fortalezas anti-imigração – das quais Amygdaleza e Lampedusa são apenas a face mais visível.
Até aqui nada de novo. Porém, a abertura das fronteiras aos cidadãos da Bulgária e da Roménia cria uma nova contradição entre a política restritiva de fronteiras e o direito à mobilidade, desta vez dentro do espaço alargado da União Europeia. O governo britânico, temendo a entrada generalizada de ciganos no país, apresentou recentemente uma proposta ultra-restritiva à entrada de cidadãos estrangeiros. A proposta de David Cameron pretende “atrair pessoas que contribuem e dissuadir pessoas que não contribuem”. A polémica gerada em torno do documento (tem razão António Guterres quando diz que esta proposta “propicia a segregação étnica”) volta a confrontar a perspetiva securitária com a defesa dos direitos humanos.
É neste contexto que o governo português, pela voz de Pedro Lomba, anuncia também a intenção de rever a política nacional de controlo das fronteiras. Se dúvidas houvesse sobre a orientação do documento, Lomba esclarece a intenção governamental ao afirmar que o ACIDI deve ter como função “identificar e captar imigração de elevado potencial ou de grande valor acrescentado”. Com uma retórica semelhante à de David Cameron, o “empreendedorismo imigrante” de Pedro Lomba comporta três equívocos:
Em primeiro lugar, a ideia de que existe uma “imigração de elevado potencial” hierarquiza os migrantes em função de fatores tão díspares como o nível socioeconómico ou o país de origem. (Esta ideia não é uma novidade absoluta: as quotas de imigração cumprem, ainda que parcialmente, esta função.) Mas a ideia de Lomba vai mais longe, ao pretender transformar as autoridades portuguesas em juízes da entrada no país de mão-de-obra qualificada. A consequência imediata desta alteração – nomeadamente no que ao ACIDI diz respeito – é a retirada da política de imigração da esfera da integração, fazendo prevalecer o critério utilitarista das necessidades do mercado nacional como regulador da entrada de estrangeiros.
O segundo equívoco traduz-se na ideia, reproduzida em Portugal desde a década de 1960, de que a imigração é um fenómeno de dupla-face. Ou, dito de outra forma, a ideia de que é possível enaltecer uma minoria “bem integrada social e culturalmente”, embandeirando a meritocracia como fator de mobilidade social. O problema deste modelo é a sua incompatibilidade com a realidade. Sabemos hoje que os imigrantes são das populações mais vulneráveis à austeridade, sobretudo os mais velhos e aqueles que se encontram em situação ilegal.
O terceiro equívoco é, provavelmente, o mais significativo. Trata-se da ideia de que o controlo de fronteiras – seja através do fechamento ou da seleção dos que entram legalmente – poderá funcionar como regulador dos fluxos migratórios em grande escala. A história das últimas décadas mostra o contrário: independentemente das opções políticas sobre a entrada de não-nacionais, o principal fator regulador da imigração laboral é sempre o mercado de trabalho (seja por via da taxa de desemprego ou das garantias laborais). Assim, uma política mais restritiva sobre as fronteiras serve unicamente para desvalorizar a mão-de-obra, trocando os direitos básicos por uma situação de extrema precariedade laboral e social. As propostas de Cameron e Lomba são a fotografia perfeita de uma Europa que, ao mesmo tempo que facilita a circulação de capital, se apresenta aos imigrantes com as portas fechadas e as janelas abertas.
1 Agência Europeia de Gestão da Cooperação Operacional nas Fronteiras Externas dos Estados-Membros da União Europeia (frontex.europa.eu)
Comments
Se confrontarmos a este texto
Se confrontarmos a este texto o fenómeno actual da emigração - particularmente aquela que revela um perfil qualificado, jovem e urbano - conseguimos destacar, gradualmente, um "projecto social" invertido, isto é, uma espécie de espelho daquilo que não sabemos fazer relativamente aos nossos próprios cidadãos nados e criados. Como não temos projecto para fixar cá as pessoas com mais argumentos para saírem, reproduzimos a anglo-saxónica "flitragem migratória" dos mais "interessantes" economicamente (veja-se quais os países que, por esse mundo for,a fazem da imigração um negócio...), só que, tendencialmente, relativamente a países com mais dificuldades ainda do que nós.
As vestes de bom aluno que este governo tao garbosamente enverga não anulam, pela aparente subserviência desse papel, uma arrogância tosca e, pior, porque sem originalidade, irresponsável.
Belo texto, caro João.
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