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Foral: a negociata laranja que beneficiou vários governantes

Conheça os contornos de um esquema liderado por Miguel Relvas que beneficiou financeiramente vários dirigentes do PSD, entre eles o atual primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, o ministro da Defesa José Pedro Aguiar Branco e o secretário de Estado da Segurança Social Agostinho Branquinho.
A Tecnoforma, empresa de Passos Coelho, recebeu um valor de 312 mil euros pelos serviços alegadamente prestados. Foto de Mário Cruz, Lusa

O Programa Foral, pelos contornos, os valores e os atores que envolve, é mais uma negociata laranja à custa do erário público, a que o país se habitou a assistir. Para desvendar esta longa teia de favorecimentos políticos, que tem no PSD o epicentro, é necessário recuar no tempo e repartir o caso em partes.

O Programa Foral, Miguel Relvas e a empresa de Passos Coelho

Em 2004, Miguel Relvas, então secretário de Estado da Administração Local do Governo de Durão Barroso, promoveu, conjuntamente com Jorge Costa, à época secretário de Estado das Obras Públicas, um protocolo relativo a um projeto nacional de formação profissional de técnicos camarários para aeródromos municipais no quadro do programa Foral, financiado pelo Fundo Social Europeu (FSE).

O objetivo era, segundo os seus promotores, suprir a alegada falta de técnicos habilitados e garantir a certificação das infraestruturas de acordo com as normas internacionais. Miguel Relvas e Jorge Costa alegavam ainda “questões de segurança dos passageiros e tripulantes” e faziam referência aos “atentados terroristas de 11 de setembro nos EUA”.

No protocolo era asseverado que seriam criadas as condições para que o Instituto Nacional de Aviação Civil (INAC) aprovasse e certificasse os cursos ministrados, bem como as competências adquiridas pelos formandos.

Este protocolo foi, na realidade, e segundo escrevia o jornal Público, feito à medida da empresa Tecnoforma, da qual Pedro Passsos Coelho foi consultor e gestor. Já em julho de 2003, a Tecnoforma preparava um plano nacional de formação de quadros camarários para trabalharem em aeródromos municipais, tendo, inclusive, enviado um ofício ao secretário de Estado da Administração Local, ao cuidado de Helena Belmar, então secretária de Miguel Relvas e atualmente secretária pessoal de Passos Coelho, no qual é referida a apresentação de uma candidatura na respetiva Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional.

Não existiu, na realidade, qualquer outra candidatura, a nível nacional, com base no protocolo promovido por Miguel Relvas e Jorge Costa, ainda que o documento obrigasse a Secretaria de Estado a “mobilizar as potenciais entidades formadoras no sentido de operacionalizar” a realização dos cursos previstos.

A Tecnoforma apresentou a sua candidatura 17 dias após a assinatura do documento, sendo que “a denominação e a caracterização das ações era exatamente a mesma que constava do protocolo, palavra por palavra”, conforme adiantava o jornal Público.

Apenas a candidatura da Tecnoforma referente à região Centro foi aprovada, pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro, à data presidida por Paulo Pereira Coelho, ex deputado do PSD e ex dirigente da JSD, tendo as restantes candidaturas desta empresa relativas às restantes 4 regiões do país sido chumbadas por falta de “mérito”.

Em outubro de 2004, Pedro Passos Coelho apresentou publicamente, enquanto consultor da Tecnoforma, o Projeto Nacional de Formação para Técnicos e Agentes de Aeródromos e Heliportos, que, segundo o atual primeiro ministro, teria tido como ponto de partida o protocolo entre a secretaria de Estado da Administração Local, a secretaria de Estado das Obras Públicas e a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP). Esta última nega qualquer envolvimento no processo, não constando qualquer assinatura dos seus representantes no protocolo oficial.

O financiamento aprovado pela CCDR do Centro ascendia a 1,2 milhões de euros, sendo que estariam previstas 52.140 horas de formação e 1063 formandos, o equivalente a entre 300 e 500 pessoas, na medida em que cada uma delas poderia frequentar vários cursos. Seriam formados técnicos camarários para seis pequenos aeródromos municipais – Coimbra, Lousã, Viseu, Covilhã, Monfortinho e Proença-a-Nova – e dois heliportos – Albergaria-a-Velha e Guarda. Era ainda mencionado um sétimo aeródromo - a Base Aérea de São Jacinto, em Aveiro – que, por ser propriedade militar, dependente do Exército, nunca poderia ser enquadrado no âmbito deste projeto.

Destas infraestruturas, três pistas não tinham um único funcionário, uma delas estava totalmente encerrada, 3 aeródromos tinham uma atividade residual e mantinham apenas uma dezena de funcionários e os dois heliportos só funcionavam em situações pontuais de emergência.

Dos quatro cursos previstos na candidatura aprovada, apenas três foram parcialmente ministrados pela Tecnoforma. O curso “Segurança contra atos de interferência ilícita” nunca chegou a ser aberto. A homologação dos cursos pelo INAC apenas foi concretizada em 2005, um ano após a aprovação da candidatura.

Segundo a CCDR, das 205 pessoas previstas, apenas 36 frequentaram estes cursos, sendo que nenhuma obteve a respetiva certificação. Só existiram cinco turmas, contra as 21 anunciadas. Foram declaradas 13611 horas de formação, em vez das 52.140 acordadas. O número global de formandos foi de 425, contra os 1063 contratualizados, o que corresponde a 122 pessoas, longe das entre 300 a 500 previstas.

Entre os formandos, vários nem sequer estavam ligados aos municípios, outros, ainda que autarcas, também não estavam em condições de elegibilidade no âmbito deste programa e 17 nem sequer foram identificados pela CCDR.

Os números apresentados pelas câmaras municipais, citados pelo Público, são bastantes díspares. Segundo estas entidades, apenas foram envolvidas 49 pessoas no projeto e não as 122 contabilizadas pela CCDR.

A Tecnoforma recebeu um valor de 312 mil euros pelos serviços alegadamente prestados.

A forma “estranha” como um atual secretário de Estado do PSD vence um concurso internacional

A NTM, empresa detida à época pelo atual secretário de Estado da Segurança Social Agostinho Branquinho, venceu de forma “estranha” o concurso internacional, no valor aproximado de 450 mil euros, para a campanha de comunicação do programa Foral, como já se viu, tutelado por Miguel Relvas. Curiosamente, a seguir à adjudicação, José Pedro Aguiar Branco, atual ministro da Defesa, torna-se presidente da Assembleia Geral da empresa.

A concurso apresentaram-se nove empresas de publicidade, entre elas as maiores do país. No entanto, seis são excluídas desde início, quatro por falta de “condições financeiras”, uma por incapacidade técnica e financeira e outra por ausência de capacidade técnica.

Entre as cinco excluídas por alegadas razões financeiras constavam a McCann Erickson Portugal, que faturou, só no ano de 2001, 52 milhões de euros e a Caixa Alta, que obteve receitas no valor de 13,6 milhões de euros no mesmo ano.

Eliminadas todas estas empresas, restavam a NTM de Agostinho Branquinho, a WOP e a Spirituc. A empresa do também ex deputado do PSD, segundo o jornal Público, era a que apresentava o preço mais elevado, 375 mil euros mais IVA, contra os 266 mil da WOP e os 348 mil da Spirituc.

Segundo o júri, a empresa do atual secretário de Estado, para além de ter a proposta mais dispendiosa, tinha a pior capacidade técnica, o que não a invalidou de vencer o concurso. Assim, o júri propôs a adjudicação da NTM por 447 mil euros em dezembro de 2002. Passados poucos dias, Miguel Relvas dá luz verde à decisão e aprova a proposta.

Conhecidos os contornos do processo, há uma pergunta que se coloca: quem era o júri?

Como lembra a edição desta segunda-feira do jornal Público, a nomeação do júri era da responsabilidade direta do secretário de Estado Miguel Relvas e composto por sete membros, a saber, dois representantes da secretaria de Estado e um elemento de cada uma das cinco CCDR, todos eles diretores de serviço e chefes de divisão.

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