You are here
Foram as derrotas que fizeram o Bloco de Esquerda
O Bloco teve uma derrota nas eleições autárquicas. Não faltaram papagaios e outras espécies raras que, em tom repetitivo e não escondendo o entusiasmo pacóvio, se anteciparam a anunciar o início do fim do Bloco. Para alguns comentadores e jornalistas, o fim do Bloco de Esquerda é assim uma espécie de acontecimento iminente, uma espécie de apocalipse onde se vão revelar os verdadeiros genes autodestrutivos do partido. Eles salivam de impaciência e de ansiedade para anunciarem a notícia. Não querendo fazer a desfeita, ao contrário do que acontece em muitos sítios, na esquerda uma mentira repetida muitas vezes felizmente não se transforma em verdade.
Seja numa pesquisa simples na internet, seja através de um mais rigoroso exercício de memória ou vendo alguns dos mui nobrescomentadores televisivos, parece que pelo menos desde há 14 anos que se anuncia o fim do Bloco de Esquerda. A avaliar pelo frenesim patego e pacóvio que sucessivamente vai anunciando a sentença, tudo levaria a indicar que o Bloco é uma espécie de crónica de uma morte anunciadaque se resumiria a um belo romance de Garcia Marquez. É mesmo assim que se faz um fazedor de opinião reacionário: procura confirmar na realidade os indícios do que gostaria que acontecesse, tentando criar as condições para uma espécie de profecia auto-cumprida. Mas o que é estranho, é que depois de 14 anos a anunciar uma tese constantemente falhada, ainda há quem lhes dê tempo de antena para tamanha basbaquice.
As eleições autárquicas foram um momento político absolutamente decisivo na vida política portuguesa e na vida da luta de classes. O Bloco, a sua direção, as suas organizações locais e a sua militância empenharam-se com toda a intensidade nestas primeiras eleições na era da troika. Concorremos a 75 % do país, por 52 votos não elegemos um vereador em Lisboa, elegemos 8 vereadores, em alguns sítios pela primeira vez, participámos no início do fim do jardinismo, ajudámos a eleger um vereador numa lista independente em Coimbra e fizemos campanhas absolutamente arrebatadoras, como a do Porto.
Mesmo assim, perdemos. Saímos derrotados e não tivemos força, dinâmica, enraizamento e estrutura para melhorar os nossos resultados autárquicos e a nossa implantação local. Pior, em termos globais o Bloco teve resultados piores que o das últimas eleições. Foi uma derrota e é perante a derrota que se avaliam as relações de força e se constroem novas ideias, planos, estratégias e se avança para novas lutas, resistências e conquistas. É essa a génese do Bloco de Esquerda e é nas suas estruturas que o debate se fará sobre os problemas e o futuro da estratégia local.
Na noite eleitoral de Domingo, numa sala com bastante apreensão e alguma tristeza nos rostos dos militantes, o meu camarada Mário Tomé, histórico militante da esquerda revolucionária portuguesa, perguntou-me: “Que cara é essa pá?”. Não soube muito bem o que dizer, mas também não foi preciso. A camaradagem ensina-nos a interpretar os silêncios. Mas o Mário sorriu, deu-me um abraço e disse quase precisamente estas palavras: “Camarada, sabes quantas derrotas eu tive na vida? O nosso objetivo é estratégico, é ajudar a construir as condições subjetivas para grandes mudanças no mundo. Temos grandes vitórias conquistadas, não te esqueças, e temos muitas vitórias que saíram de derrotas. Afinal de contas foram as derrotas que fizeram o Bloco de Esquerda”.
É essa lucidez dialética que nos exige este tempo de exigências. Se não tivéssemos concorrido às autárquicas teríamos ajudado a criar condições para a derrota da troika e do seu governo? Não. Se não tivéssemos concorrido teríamos tido a capacidade de despoletar processos realmente participativos, de abrir a política institucional à cidadania e, já agora, de potenciar os espaços para que muitas pessoas participassem pela primeira vez na sua vida numa campanha política? Não.
Os trabalhadores e o povo português não teriam ficado melhor se tivéssemos colocado a viola no saco e assumindo a confortável posição de não fazer nada. Também não ficaria melhor se assinássemos por baixo de coligações e partidos que vão, na prática, implementar austeridade local e que, de gestão alternativa ao clientelismo, têm muito pouco. Mas continuamos a ter muito por fazer.
Perante os resultados muito fracos que tivemos, alguns continuam a dizer que o Bloco vai acabar ou que está em risco de acabar. Outros, como de resto acontece nos partidos burgueses, tentam fazer um arriscado número de associação dos resultados à direção política do Bloco, procurando responsabilidades personalizadas para problemas que são coletivos. São opiniões.
Mas para quem acha que o Bloco acabou, pode muito bem fazer o teste. Passem nas ruas dia 26 de Outubro e nos protestos estudantis dos próximos meses. Apareçam nos sindicatos, nas associações feministas e nos movimentos e associações LGBT. Apareçam em Associações de Estudantes e nos coletivos estudantis. Apareçam nas associações culturais e nas coletividades recreativas. Apareçam nas ocupações, nos congressos. Apareçam em todos os momentos mais decisivos da luta social em Portugal.
Encontrarão por lá um Bloco vivo, empenhado e decisivo. Encontrarão lá a evidência de um partido que não desiste da sua história e dos seus desígnios. Ainda cá estamos, diariamente, onde pulsa a injustiça e onde a esperança é o princípio que não se deixa desvanecer na espuma das derrotas.
Quem achar outra coisa, não nos conhece.
Comments
Tem toda a razão, João. Mas
Tem toda a razão, João. Mas penso que o Bloco deve fazer uma reflexão sobre estas eleições. Não para encontrar pessoas responsáveis como nos partidos burgueses, mas para encontrar decisões estratégicas responsáveis. Nesse sentido, parte da crónica do Daniel Oliveira (que não anuncia de forma alguma o fim do BE mas serve de grito de alerta para dentro deste partido) tem a sua razão de ser. E, de muitos eleitores mais ou emnos estáveis do BE que conheço, em conversas recentes, fiquei com a impressão de que falta qualquer coisa no BE para os segurar e para crescer. Quanto às autárquicas em particular, parece-me que a política taxativamente contra coligações com o PS (sem CDU), por exemplo, não foi positiva. Especialmente tendo em conta o carácter local destas eleições, tais decisões centralistas fazem pouco sentido, em particular quando vão contra a vontade dos núcleos locais do Bloco, e o sentimento dos eleitores em determinados municípios. Centralismo é para uma outra esquerda, não a esquerda que faz o Bloco, nem as pessoas de esquerda que votam e apoiam o BE.
Vejam só que tipo de saídas
Vejam só que tipo de saídas se põe num balanço. Em nenhuma delas se aponta para a unidade com a CDU. Estará esta coligação incluida dentro daquelas que vão implementar no poder autárquico a austeridade? Ou será que isso nem é para lembrar por certos setores do bloco? Assim não há saida, não.
Amigo horácio O PCP só faz
Amigo horácio
O PCP só faz coligações com quem pode engulir. O amigo pensa que os verdes são um partido ou uma marionete do PCP. Quem em lisboa numas eleições em tempos idos, recusou a entrada para a coligação da altura.
As "coligações" fazem-se em ações de luta concretas, sejam nos sindicatos, ou por objetivos comuns ás populações.
O artigo é muito interessante
O artigo é muito interessante e em todas as lutas que aconteceram e vão acontecer o BE marca presença e faz notar a sua voz. O problema é não saber capitalizar e o BE não sabe capitalizar! Desde 1999 que o BE tem tido pequenas vitórias que se tem demonstrado insuficientes para alcançar algo maior. O BE tem a sua forma de fazer política e tem, apenas, que se adaptar à forma de fazer política que actualmente vigora! O BE tem espaço para melhorar a sua política. Tem que ser mais objectivo e concreto no que apresenta e defende e, se necessário for, ser ainda mais agressivo e acutilante contra o que está mal. E se agressividade e acutilância não faltam (e ainda bem), objectividade no discurso e nas propostas vão escasseando! E sobre ter que se adaptar à política que por cá se faz só nos resta saber se os 7% ou 8% que representamos nos satisfaz ou se é possível chegar a algo mais sem defraudar aquilo que temos! Certamente que é possível, nem que o cinismo na dose certa seja levado em conta! Afinal temos que nos adaptar...
As derrotas não se
As derrotas não se transformam em vitórias por obra e graça do espírito santo.
É preciso ser cuidadoso e procurar saber porque é que tanto esforço envolvido não produziu melhores resultados. Este é o problema. Se queremos “ajudar a construir as condições subjetivas para grandes mudanças no mundo” não podemos ficar contentes com os nossos resultados, temos de os compreender.
A decisão de pedir às estruturas do BE que analisem a situação na sua área de actividade é importante e não deve ser menosprezada. A situação é sempre complicada e não pode ser reduzida a frases simplificadoras como, “…não tivemos força, dinâmica, enraizamento e estrutura para melhorar os nossos resultados autárquicos e a nossa implantação local”. Ficará sempre um porquê por responder, pois o nosso trabalho autárquico melhorou muito nos últimos anos. Houve locais onde subimos e outros onde descemos e a luta política não é uma lotaria.
Só se formos inteligentes conseguiremos transformar as derrotas em vitórias e desculpem-me não avançar aqui a minha opinião que reservo para outros locais
Que é como quem diz: "De
Que é como quem diz: "De derrota em derrota até à vitória final!".
Tomo a liberdade de aqui
Tomo a liberdade de aqui colocar a opinião do meu amigo Eurico Gomes que gostaria mas não teve possibilidade de o fazer:
"Com todo o respeito creio que com o pensamento subjacente a esta opinião tão clara, o B.E. deveria, talvez há muito tempo, integrar a CDU. Ficaríamos como "uns verdes 2" que, de vez em quando, quando lho permitissem, se atreveriam a discordar de algum pequeno pormenor.
Porém,por muito que custe a alguns, a génese do B.E, foi toda outra.
O B. E., entendamos-nos, só surgiu e passou a fazer sentido...e a angariar simpatizantes... "contra" o que o PC pensa e representa hoje -que não durante o fascismo. Este o enorme equívoco que continua a marcar o B.E.... que se arrasta, não por acaso, ao longo destes anos e que não poderá continuar a ser escamoteado. Pensar que tudo pode continuar nestas águas chilras ...é, isso sim, assinar a certidão de óbito. Será preferível assumir claramente esta dicotomia que pelos vistos não foi possível ser ultrapassada de uma vez por todas e entender,sem mais subterfúgios e tergiversações, este "pecado original". Não é possível, nos tempos que correm, manter " confusões" deste jaez . Ignorá-lo pode remeter para "novos" amanhãs que cantarão -- o que admito justificar-se em algumas jovens mentes-- mas vão claramente contra a imperiosidade ( que muitos continuam a não entender) e ao enorme potencial do " inimigo" que temos pela frente ..."aqui e agora"... como se dizia há 50 anos!"
Add new comment