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Portocarrero de Almada: até os anjos coram

Gonçalo Portocarrero de Almada (GPA) escreve tanta coisa de bradar aos céus... Desta vez, são as falas de uma novela sobre o casamento que, num truque de magia, passam a pseudo-argumento sobre “A hipocrisia do contrato de trabalho”´.

Gonçalo Portocarrero de Almada (GPA) escreve tanta coisa de bradar aos céus que compiladas davam obra com tal número de tomos que superaria de longe a soma da toda a literatura canónica e não canónica, dos profetas anónimos do crescente fértil ao falecido Saramago.

A falácia é a sua arte. Desta vez, são as falas de uma novela sobre o casamento que, num truque de magia, passam a pseudo-argumento sobre “A hipocrisia do contrato de trabalho” (Público, 30 de agosto, p. 49). Por mais que se evite tropeçar nestas pornográficas gravuras rupestres, as malditas pedras escritas de GPA andam espalhadas pelo caminho (ver O gémeo falso http://adeuslenine.blogspot.pt/2010/09/o-gemeo-falso.html).

Mas centremo-nos no argumento reacionário em concreto. Diz GPA “Por que razão muitas empresas resistem a admitir novos trabalhadores? Porque os encargos decorrentes da admissão de mais um assalariado são, por exigência do contrato de trabalho, excessivos”. E eis que propõe em jeito de troça “uma fácil solução: basta desregular o compromisso laboral, em benefício dos agentes sociais, ou seja, substituir o contrato de trabalho tradicional pela união livre de patrão e operário”.

Depois argumenta com brejeirice e desrespeito pela situação de centenas de milhares de trabalhadoras e trabalhadores. O ponto mais alto, na minha opinião, é onde GPA exprime a síntese do seu pensamento sobre o casamento e o contrato de trabalho: “Que romântico seria o patrão poder dizer, com aquela poética descontração com que se troca uma esposa cinquentona por uma secretária de vinte e cinco anos: 'Eu dou o ordenado a quem eu amar!'”». Este “eu dou o ordenado a quem eu amar” resume bem uma um pensamento sobre o género e a classe.

Quem é Gonçalo Portocarrero de Almada? é uma pergunta legítima a fazer. O cronista do Público é padre e Vice-presidente da Confederação Nacional das Associações de Família, as tais que em nome de um certo “tipo de famílias” negam as outras. Parece que é de linhagem nobre e Doutor. Muitos pergaminhos e, pelo que escreve, nenhuma razão para merecer a nossa consideração.

Recentemente conversei com um padre muito diferente deste, o padre Vítor. Enquanto responsável da Cáritas, o padre Vítor assinalava que muitas das famílias que recorrem aos apoios desta instituição são constituídas por pessoas que, embora trabalhem, o seu salário é tão baixo que depois do pagamento da habitação, água e luz ficam sem 1 único euro para comprar comida para si e para os seus filhos e/ou filhas. Espero que este meu amigo não tenha infelicidade de ler o Público, de ontem. É que até os anjos coram cada vez que Gonçalo Portocarrero de Almada pega na caneta.

Sobre o/a autor(a)

Investigador. Mestre em Relações Internacionais. Doutorando em Antropologia. Ativista do coletivo feminista Por Todas Nós. Dirigente do Bloco de Esquerda.
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