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O nacionalismo que rompe o sistema

O critério nacional e o critério de classe dão às formações políticas da esquerda nacionalista basca uma especificidade que é só delas: o direito a ter um Estado significa a possibilidade de o disputar para a esquerda, para uma relação de forças em que o trabalho pesa sobre o capital.

Em tempos de austeridade a democracia transformou-se quase numa bandeira revolucionária. Para alguns povos nunca deixou de o ser em tempos que nunca deixaram de ser de opressão. É o caso dos povos da Galiza, da Catalunha ou, neste caso, do País Basco.

A convite do Aralar estive em representação do Bloco de Esquerda em Vitoria-Gasteiz para um debate sobre a austeridade e as suas consequências em Portugal. A “autopista del cantábrico”, sempre junto ao mar, levou-nos até Donostia/San Sebastian para conversar com o Sortu. Pelo caminho restou tempo para uma reunião com o ELA, sindicato nacionalista basco.

É fácil identificarmo-nos com este povo e a sua luta histórica contra a dominação externa, ou não fosse precisamente essa a condição real dos povos da Grécia, Irlanda e Portugal, submetidos a uma intervenção externa que, em representação dos credores, tem nos mercados financeiros e não no povo a sua fonte de “legitimidade”.

Só no respeito por cada povo, em igualdade, se pode construir a democracia. Sem autodeterminação e emancipação coletivas, a democracia de um povo será para sempre incompleta, comandada por interesses que lhe são estranhos.

A soberania popular como fonte única de legitimidade do poder implica que uma comunidade se reconheça na sua identidade, nas suas relações de forças internas, na decisão sobre o seu território e recursos, na sua cultura, nos direitos e deveres partilhados.

Claro que não basta poder decidir para que a escolha coletiva seja por um projeto alternativo de sociedade, onde a democracia social e económica se junte aos direitos políticos. Mas o direito a disputar uma maioria social para construir esse futuro melhor deve estar ao alcance de qualquer povo.

É aqui que o critério nacional e o critério de classe dão às formações políticas da esquerda nacionalista basca uma especificidade que é só delas: o direito a ter um Estado significa a possibilidade de o disputar para a esquerda, para uma relação de forças em que o trabalho pesa sobre o capital.

Plural, popular e fortemente enraizada na História daquele povo, a izquierda abertzale atravessa um período de clarificação e solidificação. O mapa político e eleitoral no País Basco tem cruzamentos e ramificações várias, complexas, próprias de uma nação que se constitui a cada passo de uma estrada ainda esburacada por memórias de opressão e ditadura. A política penitenciaria, a existência de presos políticos e a recusa do Estado Espanhol em cumprir a sua parte do acordo fazem com que a questão dos presos seja ainda uma prioridade na agenda da esquerda nacionalista basca.

A esquerda nacionalista basca compõe-se hoje por três partidos: Aralar, Sortu e Eusko Alkartasuna. O terceiro é fruto de uma cisão de esquerda do PNV (partido nacionalista basco de centro direita no poder); o segundo, recém-legalizado, é herdeiro do Batasuna; o primeiro compôs-se há uma década a partir de uma cisão do Batasuna motivada pelo debate sobre a luta armada.

Com tréguas declaradas e a luta armada abandonada, o Sortu conseguiu por fim passar à legalidade. Com este passo deu-se um outro, de gigante, a reunificação da “izquierda abertzale” na formação eleitoral basca Bildu que para as eleições em Madrid adotou o nome de Amaiur.

Os resultados eleitorais têm vindo a mostrar o respaldo popular à reunificação da “izquierda abertzale” em formações eleitorais novas. Se lhe acrescentarmos o processo em curso na Catalunha e a recente reorganização da esquerda nacionalista galega, é fácil concluir que os nacionalismos do Estado Espanhol estão a ganhar alento e a recentrar o debate sobre a democracia em tempos de austeridade.

A crise interna do Estado Espanhol manifesta-se numa monarquia podre, um sistema judicial obsoleto e anacrónico, uma economia em crise que ainda antes do “crash” convivia com 20% de desemprego, um bipartidarismo decadente. Uma rutura do sistema em Espanha, que terá de passar pela questão nacional, teria efeitos brutais na Europa e - foi sempre assim - em Portugal. O projeto estratégico do nacionalismo basco, catalão e galego, além de justo no conteúdo, tem um efeito real neste combate que todos travamos: Knockout para a troika.

Sobre o/a autor(a)

Deputada e dirigente do Bloco de Esquerda, licenciada em relações internacionais.
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