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Pós-troika é mais memorando

No guião imposto pelo Presidente a PSD, PS e CDS, e explicitamente aceite por todos, constava o fecho do programa de ajustamento, e também as garantias ao BCE e CE das decisões de Portugal no pós-troika. Ora bem, o acesso ao MEE exige a celebração de um contrato que é o memorando 2!

As manobras de Cavaco Silva, regedor do governo, e de Carlos Costa, governador do Banco de Portugal e moço de recados do BCE, vieram realçar aquilo a que chamam de pós-troika, isto é, o período que se seguirá ao fecho da "assistência financeira".

Essa circunstância implicaria o mítico "regresso aos mercados" mas também o recurso ao MEE (mecanismo de estabilidade europeia), fundo gerido pelo Banco Central Europeu que funciona como avalista de Portugal e emprestador de último recurso quando fracasse o leilão da dívida pública no mercado. A matéria reveste-se de grande importância para o BCE e para a Merkelândia: a continuidade das políticas de austeridade.

No guião, dito de salvação, imposto pelo Presidente a PSD, PS e CDS, e explicitamente aceite por todos, constava o fecho do programa de ajustamento, e também, ainda por acertar, as garantias ao BCE e Comissão Europeia das decisões de Portugal no pós-troika. Ora bem, aqui é que a porca torce o rabo. O acesso ao MEE exige a celebração de um contrato (este o nome técnico segundo Carlos Costa) que contém as condicionalidades políticas e económicas que tutelam o governo português e o Parlamento por arrasto. Ou seja, é o memorando 2!

Apesar das atualizações do memorando em vigor, este contrato terá exatamente o mesmo papel que tem tido o memo da troika. Há quem, com ligeireza, ache que o memorando da troika termina a sua influência com o fim do programa atual e daqui a um ano nos veremos livres disso. Ou é ingenuidade ou embuste. O contrato, depois dos PECs e do Memorando, vai exigir condicionalidades da mesma natureza.

Por que exige o Bloco rasgar o memorando?

Porque o memorando obriga desde a aplicação do tratado orçamental às privatizações, da precarização laboral aos cortes nos serviços públicos, da baixa de salários e pensões à redução das políticas sociais, da lei das rendas ao aumento dos impostos sobre o trabalho e o consumo.

Continua a ser preciso denunciar o memorando para que um futuro governo de esquerda "devolva tudo o que foi roubado", conforme diz o cartaz do Bloco que está afixado na rua por estes dias. Desde logo, a ideia de futuro contrato com as instituições da União Europeia é visto pelos governantes como transportando as aquisições capitalistas anteriores, chamadas de “reformas estruturais”.

Defender o repúdio do memorando é, como se vê, pré-condição para contrariar o "contrato" com o MEE. Isto admitindo que chegamos lá sem um segundo resgate, formalmente parecido com o que está em vigor. Mesmo nesse caso estamos confrontados com outro memorando seguindo a filosofia anterior.

A reestruturação da dívida, reduzindo montantes, juros, cortando prémios e alargando prazos de reembolso, não altera só por si a austeridade e o sofrimento popular. Perversamente, ainda acentua o agravamento das desigualdades. É a lição da reestruturação da dívida grega.

O PS pôs-se a jeito para reconfirmar as garantias do memorando que subscreveu, decalcado do famoso PEC 4. Não é preciso citar Soares para o perceber. Divergências sobre soluções particulares, seja a TSU ou outras como o calendário dos cortes, podem acontecer e não devem ser subestimadas mas isso não significa alteração de rumo.

O movimento popular só derrota a dívida asfixiante se respirar da austeridade, se a derrotar nos planos das nacionalizações dos bens comuns, do trabalho com direitos revogando as miseráveis leis laborais, da reforma fiscal contra as fortunas e o capital. Só assim haverá força popular para enfrentar a força imperial dos credores. Aliás, só o combate à austeridade pode ampliar a oposição.

Fora das opiniões partidárias surgem, aqui e ali, ideias de uma mini-austeridade que pudesse dar corpo a uma alternativa alargada de esquerda." Negociação, como deve ser, para ceder, designadamente no memorando", poderia ser o mote.

Há uns anos, ouvi falar pessoalmente a Bertinotti, ex-Presidente do Parlamento italiano e líder da Refundação Comunista, dessa ideia de sacrifícios mais suaves. Tinha até a teoria do pêndulo. Aceitando ceder em algumas coisas e aliando-se ao partido dos PECs, reforçava o pêndulo do lado esquerdo, impedindo-o de andar sempre de um lado para outro.

A Refundação, depois de participar na experiência governativa de Prodi, não tão gravosa como a de Sócrates em Portugal diga-se em abono da verdade, foi simplesmente varrida do Parlamento. Foi excesso de oscilação do pêndulo, dir-se-ia.

É ilusório fingir que, em nome da urgência ou do desespero, a esquerda pode fazer um atalho e desviar-se do memorando. Os vampiros estão aí. E eles são um lembrete irrevogável...

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda, professor.
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