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E a menina, design?

A Menina Design Group está constantemente a admitir estagiários não remunerados. Os estagiários sem remuneração produzem peças de design de alto valor acrescentado que são vendidas a muitos milhares de euros, mas ao estagiário não chega um tostão.

As denúncias recentes sobre as práticas laborais da Menina Design Group devem-nos fazer refletir sobre que modelo económico e social é este em que vivemos. Refletir sobre o modelo, claro está, porque a prática da Menina Design Group não só não é isolada, como é permitida e incentivada.

Se o trabalhador teve uma evolução da sua condição em relação ao escravo porque ganhou propriedade sobre a sua força de trabalho e, por isso, ganhou a hipótese de receber um salário em troca do seu trabalho, o novo modelo de desemprego estrutural, de vínculos precários, de estágios para tudo e para nada e de empreendedorismo bacoco fez retroceder a passada da história: hoje, o trabalhador é já desapossado, não só do processo de produção, não só do resultado final do seu trabalho, mas também da sua força de trabalho. Pois, se em troca do seu trabalho nada recebe, então está a admitir-se que a própria força de trabalho já não pertence ao trabalhador. Foi expropriado e agora essa força é propriedade do patrão que, sendo assim, já nada tem a pagar por ela, porque ela já lhe pertence.

Quais são, afinal, as práticas da famigerada Menina Design Group que servem de preâmbulo a este artigo?

A Menina Design Group está constantemente a admitir estagiários não remunerados. Com a promessa de que possam vir a ficar num estágio remunerado (financiado pelo IEFP!), ficam meses a estagiar sem nada receber em troca. Há relatos que dizem que na Menina Design Group são mais os estagiários do que os efetivos, ou seja, são mais os que trabalham de borla do que os que recebem um salário. Os estagiários sem remuneração produzem peças de design de alto valor acrescentado que são vendidas a muitos milhares de euros, mas ao estagiário não chega um tostão daquilo que foi o resultado do seu trabalho. Ora, se isto não é o mais próximo possível da escravatura, então não sei o que será.

Pode-se dizer, 'que exagero! Não é um caso de escravatura, até porque a escravatura era uma condição imposta e forçada, era administrada por via do 'chicote e do medo' e eu direi 'mudem-lhe os instrumentos do medo e tudo é similar'. Em vez do chicote há a ameaça do desemprego e da não entrada no mercado de trabalho. Em vez de impor a escravatura pela pancada, impõe-se essa condição pela chantagem: 'que hoje ou é isto ou nada; que se não querem há muito quem queira; que a crise é tramada e as pessoas ou se sujeitam ou não arranjam nada; que não é altura de se exigir, é altura de se submeter'. Claro, com isto os milhares de euros que se produzem com cada peça de design, em vez de servirem para pagar o salário de quem a produziu, servem para aforrar o bolso de quem não a produzindo se apropriou da força de trabalho dos outros.

E o caso da Menina Design Group é singular, pontual, a exceção que confirma a regra? Não, não é. É um caso que faz parte da regra e não da exceção. O próprio Estado promove e incentiva essa regra. Por exemplo, a CGTP denunciou recentemente que cerca de 70% dos desempregados com contratos de emprego e inserção (CEI e CEI+, antigos POC) estão a trabalhar no Estado. Ou seja, existe a constatação de que há falta de pessoal em serviços de saúde, de educação e outros, mas em vez de se contratar alguém com um vínculo de trabalho estável, coloca-se um desempregado que ao fim de uns meses não é colocado, fica sem subsídio de desemprego e sem trabalho, quando, na verdade, existia a necessidade de criar esses postos de trabalho.

É, por isso, necessário alterar radicalmente o atual modelo de desemprego estrutural, de trabalho por projeto, de empreendedorismo de borla, de falta de vínculos de trabalho. Esse modelo está a retroceder a passada da história. Se o trabalho deveria evoluir para ser uma fonte de libertação, cumprindo em simultâneo a supressão das nossas necessidades e a realização da pessoa pela apropriação do modo de produção e do produto final do seu trabalho; a verdade é que ele está a retroceder, expropriando o trabalhador da sua própria força de trabalho, negando-lhe a hipótese de a vender em troca de um salário.

Sobre o/a autor(a)

Doutorando na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto e investigador do trabalho através das plataformas digitais. Dirigente do Bloco de Esquerda
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