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Brasil: Novos estádios, velho jogo

No fundo, parece que os novos estádios são mais o pagamento pelas contribuições, futuras ou passadas, de doações de campanhas eleitorais. Os estádios são novos, mas parece que servem ao velho jogo. Por José Roberto Torero
O novo estádio do Maracanã é o estádio com maior potencial e importância no país. Mas, estranhamente, ele foi repassado à iniciativa privada. Foto de Blog do Planalto

Durante a Copa das Confederações assisti a um jogo em cada um dos seis estádios utilizados.

O pior entre eles, quando realmente estiver acabado e operante, será melhor do que o melhor dos nossos atuais.

Eles são espaçosos, têm ótima visibilidade, segurança, boa acessibilidade para deficientes etc... Mas estão longe de serem à prova de críticas.

Vejamos, por exemplo, o Mané Garrincha. Ele é belo. Mas inútil.

O Distrito Federal não tem futebol para um estádio com capacidade para 72,8 mil pessoas. Ele não tem nenhum time nas séries A e B do Brasileiro. Só tem um na C. Mesmo assim, ele está em penúltimo lugar e corre o risco de cair para a Série D.

Além disso, no último Candangão a média de público foi de 1.191 pessoas. Houve 88 mil pagantes em 84 jogos. Ou seja, é preciso juntar o público de 60 partidas para encher o Mané Garrincha.

Trata-se de um sério candidato à demolição. Acabará sendo útil apenas durante julho de 2014. E, é claro, para quem ganhou dinheiro com sua construção. Afinal trata-se do estádio mais caro construído para a Copa. Segundo o Tribunal de Contas do Distrito Federal, o Mané Garrincha já custou R$ 1,778 bilhão aos cofres públicos. E inicialmente foi orçado em R$ 696 milhões. Por que será que eles sempre acabam custando mais caros?

Arena Pernambuco

De todos os estádios da Copa das Confederações, este foi o pior. E não só na minha opinião, mas segundo pesquisas do UOL e do Estadão. Na verdade, ele ainda não estava acabado. Havia elevadores que não funcionavam, falhas de sinalização e pessoal mal treinado.

Curiosamente, o estádio não fica em Recife, mas sim em São Lourenço da Mata.

A Arena Pernambuco, que já tem nome de cerveja, será a nova casa do Náutico. Mas o Náutico já tinha seu estádio, muito simpático, nos Aflitos. E sua média de público este ano no estadual foi de 7.643 por jogo. Um número bem razoável, mas que não enche 20% das 46 mil cadeiras da Arena Pernambuco.

Na verdade, o estádio parece mais um grande investimento para fazer a região metropolitana de Recife crescer na direção oeste. Só há que ver quem ganha com este investimento.

PPP

O Castelão ficou lindíssimo. E a cidade não tem grandes estádios. Fortaleza e Ceará possuem campos acanhados, menores que suas torcidas, e isso faz com que o Castelão provavelmente tenha utilidade.

O Mineirão, com a torcida do Cruzeiro (o Atlético, por ora, prefere continuar mandando seus jogos no Independência), já deve conseguir uma ocupação razoável.

E a Fonte Nova, caso o Bahia (o Vitória tem seu próprio estádio) se mantenha na primeira divisão do Brasileiro, não deve ter dificuldade de conseguir uma razoável porcentagem de uso.

Mas sobre Salvador pode-se abrir um parêntese.

Para a construção do estádio, o governo fechou uma PPP (Parceria Público-Privada) com o consórcio formado pelas construtoras OAS e Odebrecht. E o trio preferiu demolir o velho estádio e construir um novo, atitude considerada desnecessária por especialistas em estruturas da Universidade Federal da Bahia. O custo da reforma seria menor e poderiam manter a piscina e o ginásio de esportes, diversificando o uso para a população.

O preço da obra girou em torno de R$ 700 milhões, com empréstimo do BNDES. Mas o estranho é que o governo baiano pagará outros quase R$ 700 milhões para subsidiar o funcionamento privado do estádio durante os 35 anos do contrato.

Ou seja, assim o governo acaba pagando toda a obra, e cabe ao consórcio só o risco da administração. As PPPs quase sempre acabam oferecendo pouco risco ao P de Privado.

Maracanã

Já o Maracanã é um caso à parte. O Rio de Janeiro tem quatro grandes clubes na primeira divisão do futebol brasileiro. O estádio ficou belíssimo, tem metrô próximo e é um espaço mítico do futebol brasileiro.

Ou seja, é o estádio com maior potencial e importância no país. Mas, estranhamente, ele foi repassado à iniciativa privada. E depois de uma reforma de 1,2 bilhão de reais (o orçamento inicial era de R$ 650 milhões).

Ora, se o Maracanã, que pode ser o estádio mais rentável do país, é repassado à iniciativa privada, qual a chance de qualquer um dos novos estádios ser lucrativo? Ou será que foi um erro privatizá-lo?

No fundo, parece que os novos estádios são mais o pagamento pelas contribuições, futuras ou passadas, de doações de campanhas eleitorais.

É claro que o país possui o desejo de projeção internacional, o desejo de dar um salto organizacional, etc... Mas os números são muito irracionais. A Copa e seus estádios não se pagam.

E não se pode culpar especificamente um ou outro governo, um ou outro partido. Os investimentos aconteceram a nível federal, estadual e municipal, abrangendo vários partidos.

Os estádios são novos, mas parece que servem ao velho jogo.

José Roberto Torero é um escritor, cineasta, roteirista, jornalista e colunista de desporto brasileiro. É autor de diversos livros, como "O Chalaça", vencedor do prêmio jabuti de 1995. Escreveu roteiros para cinema e TV, é cronista e colabora com a Folha de S. Paulo desde 1998.

Publicado na Carta Maior

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