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E se nos levantarmos?

“Entra. Senta-te. Sabes quem nós somos? Nós somos o poder. Estamos nos grandes centros de decisão. Há séculos que vos controlamos, no trabalho, quando estão em casa, quando saem, controlamos tudo.” Começa assim o novo anúncio que a cada minuto invade as nossas televisões.

FMI? BCE? Comissão Europeia? ...Agências de rating? Banca internacional? Nada disso. Quem falou e disse foi a Coca-cola. Muitos anos depois do “primeiro estranha-se, depois entranha-se” de Fernando Pessoa, começa assim o novo anúncio com que a marca mostra continuar a ter um marketing atento aos tempos que correm.

Gostos à parte, se é certo que para milhares de povos e trabalhadores por esse mundo fora a “água suja” sempre se estranhou pelo travo amargo a exploração, este anúncio tem a ironia de nos recordar duas coisas.

A primeira é que o mundo é dominado pelas cadeiras. Os cadeirões do poder. Esses onde se sentam os donos da Coca-Cola. Os cadeirões das comodidades, dos lucros arrancados à exploração, os cadeirões que compõem o European Round Table of Industrialists ou as reuniões de Bidelberg. Os cadeirões que comandam os drones da guerra.

Os cadeirões deles que são as cadeiras do nosso cansaço. Onde parece que estamos presos. Cadeiras que que nos prendem como meros espectadores: não saia do seu lugar! Cadeiras que mantêm abaixo da nossa estatura o horizonte que podemos alcançar.

A segunda é que há perguntas incómodas para os poderes instalados em poltronas. E se o nosso lugar não for este? E se não nascemos para ser precários, com vidas adiadas para sempre? E se a única gordura do Estado forem as parecerias público-privadas, o subsídio à banca privada, os off-shores, os juros usurários de uma dívida impagável?

E se percebemos que somos nós quem sustenta as poltronas do poder? E se hoje os povos de 12 estados se levantarem? …se em mais de 100 cidades sairmos às ruas?

“E se nos levantarmos?”

É a própria Coca Cola quem responde à incómoda pergunta:

“Se se levantarem, nós perdemos”

Pois então levantemos-mos. E a correr, para correr com eles. Viremos as cadeiras e as mesas. A coragem não está em aguentar estoicamente os sacrifícios que nos impõem, mas em dizer NÃO! Que se lixe a Troika!

Perguntemos outra vez. E mais uma. Tantas vezes quantas forem preciso até se entranhar em cada um de nós a resposta inevitável:

“E se nos levantarmos?”

Se nos levantarmos, eles perdem.

P.S.: Não sei se passam este anúncio na Índia, talvez ajudasse a levantar os agricultores e a população que sofre com a privatização dos aquíferos. É que se eles se levantarem, quem perde é a Coca-cola.

Sobre o/a autor(a)

Deputada e dirigente do Bloco de Esquerda, licenciada em relações internacionais.
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