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A teoria falhada das raças de cães perigosas

A questão mais problemática é de facto a evidência crescente de que o caminho trilhado pelo nosso Governo está errado ao considerar uma lista formal de raças perigosas, quando deveria considerar apenas a existência de cães perigosos, independentemente da raça.

Na passada sexta-feira, 05 de Abril, houve mais um debate sobre as (supostas) raças de cães perigosas, “Raças Perigosas ou Leis Perigosas?”,organizado pelo Espaço Noa - Notícias de Outros Animais (http://espaconoa.wordpress.com/), UCA – Universitários pela Causa Animal( http://ucanimal.wordpress.com/) e SPEdH - Sociedade Portuguesa para a Educação Humanitária (http://spedh.pt.vu/), com o feliz propósito de desmistificar esta falsa questão das raças de cães condenadas ao desprezo e ao castigo imposto por uma legislação pouco refletida e preconceituosa.

Sempre existiram cães que mordem e pessoas que são mordidas. Nos últimos anos, por razões sensacionalistas, ligadas principalmente ao mau uso de algumas raças de animais em lutas de animais, têm sido difundidas e destacadas mais notícias sobre estes ataques de cães, o que criou uma falsa realidade dos cães e das raças que mais mordem. Para quem não sabe, as três raças de cães que mais mordem são, por incrível que pareça, por ordem decrescente: 1º – Dachshund( também conhecido como salsicha) , 2º - Chihuahua e 3º - Jack russell terrier, sendo que nesta lista o Pit Bull Terrier, uma das raças mais citadas como atacante habitual, surge apenas no 6º lugar1. Como é lógico, esta classificação apenas considera a quantidade de mordidelas notificadas por raça, mas não a gravidade ou força de mandíbula do cão associada ao ataque.

Outro aspeto interessante de realçar nesta questão das supostas raças perigosas é a diversidade enorme de raças que constam nestas listas selecionadas em cada país, o que levanta a dúvida sobre afinal o que se pode considerar de “raça perigosa” ou “raça potencialmente perigosa”. Podemos referir que em Portugal, as raças selecionadas como perigosas são oficialmente sete: Fila Brasileiro, Dogue Argentino, Staffordhire Bull Terrier, Staffordhire Terrier Americano, Pit Bull Terrier, Rottweiler e Tosa Inu2.

Em Espanha, já encontramos quinze raças amaldiçoadas: Pit Bull Terrier, Staffordshire Bull Terrier/Staffordhire Terrier Americano(em Portugal consideram-se como duas raças, mas em Espanha considera-se apenas como uma raça), Rottweiler, Dogue Argentino, Fila Brasileiro, Tosa lnu, Akita Inu, American Pitbull Terrier, Bull Mastiff, Doberman, Dogue de Bordéus, Dogue do Tibete; Mastim Napolitano, Dogue Canário e Cão de Presa Maiorquino3.

Em França, são referenciadas três classes de raças perigosas gerais: Staffordhire Terrier Americano, Mastiff e Tosa4.

Em Itália, apesar de a legislação (felizmente) ter sido revista e de ter deixado de ser considerada a existência de raças perigosas, mas sim de cães perigosos, existiam classificadas dezassete raças perigosas, entre as quais duas raças portuguesas: o Rafeiro do Alentejo e o cão Serra da Estrela(!!)5.

Outro aspeto interessante de frisar é a inexistência de uma raça oficial de Pit Bull, dado é uma “raça” sem reconhecimento oficial, onde muitas raças e variantes de raças são consideradas, o que pode levantar sérias dúvidas sobre a classificação que se estabelece a cães que podem ser parecidos ou arraçados. A polémica abunda inclusive dentro da comunidade da canicultura, e como em muitas situações o Legislador português não considerou este aspeto ou teve em conta o possível apoio técnico das entidades interessadas(associações protetoras de animais, criadores, etc.) para clarificar esta questão na lista de cães perigosos que estabeleceu6.

Mas a questão mais problemática é de facto a evidência crescente de que o caminho trilhado pelo nosso Governo está errado ao considerar uma lista formal de raças perigosas, quando deveria considerar apenas a existência de cães perigosos, independentemente da raça. Aliás, vários estudos desenvolvidos em vários países (Escócia, Alemanha, Holanda, Itália, Reino Unido, Espanha e Austrália)7 vieram mesmo contradizer o benefício da criação de legislação de raças perigosas, não trazendo nenhuma vantagem em termos de diminuição dos ataques de cães, e onde as raças “banidas” contribuíram apenas com uma pequena parte dos ataques.

Outro aspeto que deveria ser considerado na legislação portuguesa era uma maior responsabilização dos donos em relação aos seus animais, por forma a garantir o treino de obediência, o controlo do animal em casa e fora de casa, a existência de um tratamento digno do animal, etc.

Uma das consequências diretas da nova legislação das raças “perigosas e potencialmente perigosas” em Portugal, tem sido o aumento de abandono de cães de raças listadas nesta lista negra, em particular cães com características pit bull, mas é claro que ninguém pensou nisso quando estabeleceu esta nova legislação.


2 http://www.rcp.pt/packages/theme_slate/themes/slate/PDF/PP-ConceitoObriga%C3%A7%C3%B5es.pdf (inclui obrigações legais dos donos possuidores de raças perigosas em Portugal)

Sobre o/a autor(a)

Ativista dos direitos dos animais / Estudante Universitário
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