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Fim de linha para as empresas deslocalizadas?

As empresas multinacionais estão a descobrir que podem fugir da subida de salários da China, mas que não se podem esconder, assinala o The New York Times. Há cada vez menos lugares para onde se mudarem.

Desde que há uma economia-mundo capitalista, um mecanismo essencial do seu funcionamento bem-sucedido é o da deslocalização das empresas. Depois de um período de significativa acumulação de capital pelas chamadas indústrias líderes (normalmente cerca de 25 anos), o nível de lucro cai, tanto por causa do enfraquecimento do quase-monopólio da indústria líder, quanto pela subida dos custos do trabalho devido à ação sindical.

Sempre que isto aconteceu, a solução foi a “fuga” da fábrica. O local de produção foi transferido para alguma outra parte do sistema-mundo que tivesse “níveis salariais historicamente mais baixos.” Com efeito, os capitalistas que controlavam as indústrias líderes trocavam custos de transação crescentes por custos de trabalho reduzidos. Esta medida manteve-lhes ganhos significativos, apesar de mais baixos que no período anterior, quando ainda tinham um quase monopólio.

A razão de os custos do trabalho serem mais baixos na nova localização é que a fábrica deslocalizada recruta a sua mão de obra em áreas rurais que antes estavam menos envolvidas na economia de mercado. Para estes trabalhadores rurais, a oportunidade de trabalhar nestas empresas deslocalizadas representou um crescimento real do seu rendimento, ao mesmo tempo que, do ponto de vista dos proprietários das fábricas deslocalizadas, estes trabalhadores estavam a receber pagamentos menores do que aqueles que tinham trabalhado na localização anterior. A isto se chama uma solução de ganhar-ganhar.

O problema com esta aparente solução maravilhosa sempre foi a falta de durabilidade. Depois de mais 25 anos, os trabalhadores na nova localização começaram a promover ação sindical e o custo do seu trabalho começou a subir. Quando chegava a um determinado nível, os donos das fábricas deslocalizadas tinham uma só opção real – a de fugir outra vez. Enquanto isso, novas indústrias líder estavam a ser construídas em zonas que tinham acumulado riqueza. Assim, houve um movimento constante na localização de indústrias de todos os tipos. Quase monopólios após quase monopólios! Fábricas deslocalizadas após fábricas deslocalizadas!

Foi uma maravilha do ajuste capitalista a um longo processo de constante mudança de circunstâncias. Este maravilhoso sistema dependeu, contudo, de um elemento estrutural – a possibilidade de encontrar novas áreas “virgens” para a relocalização das fábricas deslocalizadas. Por áreas virgens quero dizer zonas rurais relativamente pouco envolvidas na economia do mercado mundial.

Contudo, nos últimos 500 anos, estas áreas foram sendo “usadas”. Isto pode ser medido de forma bastante simples pela desruralização das populações mundiais. Hoje, estas áreas rurais estão reduzidas a uma minoria da superfície do globo, e parece verossímil que pelo ano 2050 serão uma muito, muito pequena minoria.

Para ver as consequências desta desruralização maciça basta ler um artigo do New York Times de 9 de abril. Intitula-se “Olá, Camboja”. O artigo descreve a “chuva” no Camboja de empresas que estão a fugir para lá devido à alta dos níveis salariais na China, um destino anterior destas fábricas deslocalizadas. Contudo, prossegue o artigo, “as empresas multinacionais estão a descobrir que podem fugir da subida de salários da China, mas que não se podem esconder”.

O problema para as multinacionais é que a incrível expansão das comunicações causou o fim da situação ganhar-ganhar. Os trabalhadores do Camboja começaram a ação sindical depois de poucos anos, não ao fim de 25. Há greves e pressão por salários mais altos e benefícios, que estão a ser obtidas. Isto evidentemente reduz o valor que as multinacionais obtêm com a deslocalização para o Camboja, ou Mianmar, ou Vietname, ou as Filipinas. Estão a concluir que as vantagens de saírem da China não são tão grandes.

O artigo do Timesnota que “algumas fábricas mudaram-se mesmo assim, a pedido dos compradores ocidentais que temem depender de um único país”. Conclusão de uma consultora de produção: Há riscos de se mudar para o Camboja, mas “há riscos de se manter na China também”. Em qualquer caso, há algum lugar para deslocalizar a fábrica? Ou o Camboja é o fim da linha?

A conclusão é que a combinação da já enorme e ainda crescente desruralização e a rapidez com que os trabalhadores podem tirar lições dos seus relativamente baixos salários e começar a empreender ações sindicais teve como resultado um aumento contínuo dos níveis salariais, pelo menos dos trabalhadores não especializados, e portanto uma pressão mundial negativa para as possibilidades de acumulação de capital. Isto não são boas notícias para as grandes multinacionais.

Este é apenas um elemento do que se tornou a crise estrutural do moderno sistema-mundo. Estamos a viver uma combinação de pressões cada vez maiores para a austeridade nos 99% de países que têm um sistema capitalista que já não é tão lucrativo. Esta combinação significa que o capitalismo, como sistema-mundo, está de saída.

Ambos os lados procuram alternativas – que obviamente são diferentes. Estamos diante de uma “escolha” coletiva nas próximas décadas. Uma possibilidade é um novo sistema não-capitalista que replique (e talvez piore) os três elementos essenciais do capitalismo – hierarquia, exploração e polarização. A outra possibilidade é um novo sistema que seja relativamente democrático e relativamente igualitário. O último sistema, deveríamos sublinhar, nunca existiu na história mundial. Mas é possível.

Em todo o caso, o Camboja não é o futuro do moderno sistema-mundo. Antes representa os últimos vestígios de um mecanismo que já não cumpre a sua tarefa de salvar o capitalismo.

Immanuel Wallerstein

Comentário n.º 351, 15 de abril de 2013

Tradução, revista pelo autor, de Luis Leiria para o Esquerda.net

Sobre o/a autor(a)

Sociólogo e professor universitário norte-americano.
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