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Como alimentar a população mundial sem destruir o planeta

Hoje produzem-se suficientes calorias no mundo para alimentar toda a gente, mas um sétimo da população mundial não tem dinheiro suficiente para comprar comida.

A chamada Revolução Verde trouxe impressionantes aumentos na produtividade agrícola, com o aumento da mecanização, da área de monocultura e do uso de pesticidas e outros agroquímicos que implicou. Hoje, porém, enfrentamos uma pesada fatura ambiental, com o esgotamento dos solos e sua erosão, poluição dos rios e aquíferos, emissões de gases poluentes e elevado uso de petróleo na agricultura. Para mais a promessa da Revolução Verde, a de acabar com a fome no mundo, não se concretizou e o número de pessoas com fome no mundo continua a oscilar em torno dos 900 milhões desde os anos 1970.1

O que este exemplo mostra é como a fome é determinada mais por fatores económicos que pela produção de alimentos. Hoje produzem-se suficientes calorias no mundo para alimentar toda a gente, mas um sétimo da população mundial não tem dinheiro suficiente para comprar comida. Para esta injustiça contribui tanto a especulação bolsista como a especialização da produção agrícola nos países menos desenvolvidos em culturas destinadas à exportação e a apropriação do mercado internacional agrícola por um punhado de multinacionais.

Isto não significa, contudo, que a quantidade de alimentos produzida seja irrelevante. Pelo contrário, o que a história recente nos mostra, pelo menos desde a crise alimentar de 2008, é que perturbações na produção de alimentos ou na distribuição, causadas pelas alterações climáticas ou pelo desvio de alimentos para a produção de agrocombustíveis, podem ter um impacto significativo na fome mundial. O desafio coloca-se, portanto, no desenvolvimento de métodos de produção que sejam tão respeitadores do meio ambiente quanto produtivos.

Felizmente, estes métodos já existem. Um artigo publicado recentemente na Nature estimou que a produtividade da maior parte das culturas pode ser aumentada em 40 a 70 por cento nas terras usadas para a agricultura através de um uso da água e de fertilizantes mais racional. O estudo aponta também que na Europa Ocidental, assim como nos EUA e na China, o uso de fertilizantes é claramente excessivo, resultando na poluição de cursos de água. Seria possível, portanto, transferir o uso destes fertilizantes para países na Europa de Leste e África sem prejudicar a produção de alimentos nos países ocidentais e na China.

Como assinalou Nathaniel Miller, um dos autores do estudo, ao Science Daily, uma das conclusões é que será possível ainda alimentar o mundo em 2050, quando a procura de alimentos poderá duplicar devido ao aumento da população e mudanças nos hábitos alimentares, sem destruir o meio ambiente.2Mas é possível ir ainda mais longe.

Já em 2007, um meta-estudo da Universidade do Michigan analisou 293 estudos publicados comparando a produtividade da produção biológica com não-biológica. A conclusão foi impressionante: a agricultura biológica pode ser até três vezes mais produtiva nos países menos desenvolvidos e atinge produtividades comparáveis à agricultura convencional nos países desenvolvidos.3 Ou seja, é possível alimentar o mundo com uma agricultura que não agride o ambiente nem nos enche os pratos com químicos.

Erradicar a fome no mundo é possível mas envolve grandes desafios. Desde logo, é necessário difundir técnicas de agricultura ecológicas e recuperar a agricultura familiar e de pequena escala, combatendo os interesses da agro-indústria. Não sendo necessário jogar com a nossa sobrevivência, podemos abandonar de vez as perigosas experiências com transgénicos, assim como travar a expansão dos agrocombustíveis. Para que os produtos alimentares cheguem às famílias a preços acessíveis, é indispensável quebrar o poder dos especuladores e dos grandes distribuidores (como super e hiper mercados), garantindo uma maior ligação entre produtores e consumidores. O comércio justo deve tornar-se a norma nos países desenvolvidos, em vez de ser apenas uma preferência de alguns segmentos da classe média.

Com estas importantes mudanças, podemos alimentar o mundo e preservar o ambiente em que vivemos e a nossa saúde. Aí sim, podemos falar de uma verdadeira Revolução Verde.


Sobre o/a autor(a)

Ricardo Coelho, economista, especializado em Economia Ecológica
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