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O corte nas remunerações dos profissionais de saúde

Assiste-se a uma redução das remunerações dos profissionais de saúde, penalizados em 50% nas horas de trabalho especial, castigados com vínculos cada vez mais precários e mal remunerados no valor base.

A travessia do deserto imposta pela Troika e pelo governo PSD/CDS, com a conivência do PS, tem desferido ataques dilacerantes ao emprego e às condições laborais. Numa tentativa de tornar mais competitivo o mercado de trabalho comercializam-se ao desbarato direitos conquistados com custo, e a dignidade dos trabalhadores, bem como se desvanece a proteção social aos desempregados e a valorização do capital humano ativo.

Após a extorsão dos subsídios de férias e de Natal da função pública, para conter os desvios de um orçamento inconstitucional e inexequível, avança a desvalorização do trabalho noturno e diurno em fins de semana e feriados para os funcionários do Serviço Nacional de Saúde.

Negligenciando que as unidades de saúde, particularmente os Hospitais, têm um funcionamento ininterrupto, e que os cuidados de saúde são prestados durante os 1440 minutos do dia, anuncia-se um corte de 50% na remuneração deste tipo de trabalho.

Esquece a governação que o trabalho noturno, por exemplo, sobretudo na área da saúde, é fisiologicamente mais desgastante, predispondo, por exemplo, a doenças neurológicas futuras. Esquece que organicamente existe uma diminuição de atividade, contrariada constantemente por aqueles que desempenham a sua profissão. No crepúsculo, médicos, enfermeiros, auxiliares, técnicos de diagnóstico e terapêutica desempenham funções com o mesmo rigor com que o fariam durante o período diurno.

Faz vista grossa, esta medida de corte cega, que se salvam vidas em cada um dos 86.400 segundos do dia, que se ajuda a nascer, que se está presente na morte, que se providencia conforto; e que em cada um deles se requer a mesma destreza e concentração, mesmo que seja no final de 16h de trabalho consecutivo

Ignora que para uma contínua prestação de cuidados há quem tenha de deixar em casa à noite a sua família, há quem execute um malabarismo constante na gestão de tempo pois o trabalho por turnos não se compadece com horários de escola, há quem deixa junto da lareira na véspera natalícia olhares entristecidos, há quem veja amigos distanciarem-se pela falta de dedicação nos horários comuns. Tudo remunerado a uma irrisória percentagem.

Imperava, é certo, injustiça nesta matéria. Funcionários públicos tinham na sua maioria remuneração percentualmente maior que colegas contratados das EPE’s, e estes por sua vez, mais elevados que colegas com vínculos precários. Em vez da calibração pelo regime mais justo, há uma uniformização da injustiça. Os vínculos precários proliferam e mantêm-se sem qualquer suplemento no trabalho noturno e diurno em horário especial, e todos os restantes são nivelados pela mesma percentualização.

Mantêm-se uma disparidade igualmente na situação dos Hospitais públicos de administração privada. Nestes, ainda que pertencentes ao Serviço Nacional de Saúde, a remuneração depende da entidade privada, havendo lugar a pagamento de subsídios e horas de trabalho noturno e diurno especial. Nos casos, claro está, em que existe um vinculo não precário, situação progressivamente mais rara.

Acentua-se a injustiça da situação peculiar dentro da função pública que é o profissional de saúde; fruto dos vínculos individuais com as EPE’s cria-se um estatuto de funcionário público apenas para as retenções salariais e cortes de subsídios, sem paralelo no que concerne aos benefícios.

Depois da obliteração do direito aos subsídios, conquistados na primavera da reivindicação laboral, depois da redução progressiva de rácios, obrigando menos profissionais a trabalhar mais horas e a cuidar de mais doentes, depois de cativações salariais cumulativas, restringe-se agora o direito a uma justa remuneração de trabalho em horas especiais; restringe-se o direito à compensação por trabalho de maior complexidade pela constante vigília que requer e manutenção de competências em momentos fisiologicamente mais difíceis de cumprir.

Limita-se a recompensa de um trabalho de elevada responsabilidade, com padrões de qualidade progressivamente elevados pelo investimento feito pelos próprios profissionais, sem valorização por parte das entidades, que esquecem a dignidade dos cuidados de saúde, para os que cuidam e para os que são cuidados, substituindo-a pela calculadora e pela folha de Excel.

Feitas as contas, e com a recente adição dos duodécimos do moribundo subsídio de Natal, assiste-se ainda assim a uma redução das remunerações dos profissionais de saúde, penalizados em 50% nas horas de trabalho especial, castigados com vínculos cada vez mais precários e mal remunerados no valor base.

Leia e assine a petição pela reposição imediata do pagamento das horas extra e do descanso compensatório

Sobre o/a autor(a)

Enfermeiro. Cabeça de lista do Bloco de Esquerda pelo círculo Europa nas eleições legislativas de 2019
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