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Z de zarpar

O Governo pode alegar que a descida das faixas da população activa mais jovem se tornaram menos pronunciadas. Mas o problema é que continuam a descer. Por João Ramos de Almeida, no blogue Ladrões de Bicicletas.
Foto Paulete Matos.

Para quem se exalta com que o que se passa no emprego em Portugal, conviria olhar para o gráfico em baixo.

A população activa representa a população disponível para produzir, esteja empregada ou desempregada, e constitui um indicador da vitalidade, da capacidade de atracção do mundo do Trabalho.

A direita e o governo digladiam-se sobre quem tem o mérito da retoma do emprego iniciada na segunda metade de 2013, fortemente empurrada desde 2015. Mas tanto uma como outro esquecem-se de ir mais fundo. O certo é que a população activa só iniciou a sua recuperação desde o 2º trimestre do ano passado. Este facto dá uma ideia da destruição acumulada, verificada nos anos de chumbo da política da troica abraçada pela direita e que se mantém em vigor, embora fortemente atenuada pela política de rendimentos seguida por este governo e por um ambiente externo favorável. Mas o pano de fundo é o mesmo.

Inquérito ao Emprego, INE

De 2011 até Junho passado, cerca de 222 mil pessoas deixaram de estar activos. Este período pode subdividir-se em três:

1) do 1ºtrimestre de 2011 até ao 1ºtrimestre de 2013, a população activa reduziu-se 166,8 mil pessoas;
2) do 2º trimestre de 2013 ao 1º trimestre de 2017, em que continuou a cair - menos 99,4 mil pessoas;
3) e do 2º trimestre de 2017 até agora em que subiu 44 mil pessoas, mas com avanços e recuos.

Esta evolução é possível de ser desagregada ainda mais, nomeadamente por escalões etários. Verifica-se um esvaimento da população activa jovem entre 15 e 34 anos: menos 353,9 mil de 2011 até agora, muitos deles tendo saído do país, sabe-se lá se definitivamente. Mesmo a faixa dos 35 aos 44 anos está a reduzir-se: menos cerca de 70 mil desde 2011 até agora. Por outro lado, está a aumentar a população activa com idades entre 45 e 64 anos (mais 234,5 mil). Essa assimetria assume claramente - e num curto espaço de tempo de 7 anos! - a estranha forma de um Z.

Quando se estima as variações anuais acumuladas (desde o 1º trimestre de 2011), o retrato torna-se ainda mais evidente. O Governo pode alegar que a descida das faixas da população activa mais jovem se tornaram menos pronunciadas. Mas o problema é que continuam a descer. 

Este não é, de todo, o retrato de que a direita ou o governo se podem regozijar. Ele revela um dos lados menos sãos da actual situação laboral do país. O governo está consciente disso, mas as soluções preconizadas - benefícios fiscais - são a resposta errada e ineficaz para atacar esta situação. Nenhum assalariado irá trocar um rendimento elevado ainda que fortemente tributado por um rendimento baixo ainda que fracamente tributado. Essa proposta tem uma faceta, porém, que pode raiar o cinismo: mesmo que algum assalariado aceite a proposta, como os salários em Portugal são baixos, logo são fracamente tributados. Reduzir a metade o seu IRS pago será, possivelmente, um fraco esforço público.

Era importante que o Governo e o PS se consciencializassem de que há sérios problemas de estrutura que conviria olhar com calma, sem pressas eleitorais, numa ampla e lenta discussão, fora do debate político apressado e definido em função da comunicação social. Só isso trará votos sinceros. E já agora uma sociedade melhor.


Artigo publicado no blogue Ladrões de Bicicletas.

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