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Xi Jinping: da ditadura de partido único à ditadura de clique única

A reeleição de Xi culmina um processo de centralização de poder sem precedentes mas não resolverá nenhum dos problemas com os quais o seu país e o seu regime estão confrontados. Por Pierre Rousset.
Xi Jinping este domingo na conferência de imprensa de apresentação da nova Comissão Permanente do PCC. Foto de MARK R. CRISTINO/EPA/Lusa.
Xi Jinping este domingo na conferência de imprensa de apresentação da nova Comissão Permanente do PCC. Foto de MARK R. CRISTINO/EPA/Lusa.

O XX Congresso do Partido Comunista Chinês começou a 16 de outubro. Com a reeleição de Xi Jinping para o encabeçar num terceiro mandato, rompe com a norma estabelecida desde os anos 1980 e culmina aquilo a que se pode chamar uma contra-revolução política. Sob o seu reinado, a centralização do poder atingiu níveis sem precedentes, mas o seu triunfo não consegue mascarar os impasses da sua política. O país atravessa uma crise de regime larvar, ao mesmo tempo que a situação mundial se torna perigosamente instável e que se combinam tensões geo-estratégicas, crise climática e ecológica, desordens financeiras e ameaça de recensão mundial. Há sérias dúvidas de que Xi, um autocrata solitário, seja capaz de lidar com esta situação.

O Congresso do PCC é convocada a cada cinco anos, no outono. Reuniu, desta feita, 2.296 delegados – uma esmagadora maioria de homens –, escolhidos a dedo. Inicialmente previsto para novembro, acabou por acontecer um mês mais cedo, o que indica que todas as decisões essenciais já estavam tomadas por Xi Jinping.

O congresso ratifica a composição do próximo comité central (anteriormente com 200 membros efetivos e 170 suplentes). Este ratifica a composição da comissão política (anteriormente com 25 membros) que ratifica a composição do seu comité permanente (anteriormente com sete membros), sendo este último o verdadeiro coração do poder. Presume-se que as nomeações estejam essencialmente decididas antes, nomeadamente no que diz respeito aos órgãos mais restritos.

O congresso foi aberto por uma longa intervenção de Xi Jinping que os pequinólogos continuam a decifrar palavra por palavra. No essencial, Xi Jinping parece desejoso de justificar as suas escolhas políticas anteriores, entre as quais o cerco repressivo a Hong Kong ao contrário dos compromissos assumidos pelos seus predecessores e anunciar a sua manutenção – desde a sua política anti-Covid (cujo custo político, social e económico é, contudo, grande) até à sua postura marcial sobre Taïwan [1]. Notemos a este propósito que, por enquanto, não elevou o tom e que se mantém numa espécie de status quo, sem querer antecipar o que poderá acontecer desde o momento em que este artigo está a ser escrito até ao final do congresso [2].

Na altura em que a desordem financeira atual ameaça provocar uma recessão económica mundial devastadora [3], Xi Jinping cortou as pontes com os Estados Unidos, o que impede qualquer coordenação das políticas monetárias, assim como mostra total indiferença à dramática aceleração da crise climática e ecológica global.

A reunião do XX Congresso PCC seria ocasião para fazer um balanço de conjunto dos dez anos de reinado de Xi Jinping, mas este artigo restringir-se-á, no essencial, apenas a duas questões específicas.

A primeira diz respeito à natureza da mudança de regime política empreendida por Xi Jinping.

Sob o patrocínio de Deng Xiaoping, formalizou-se em 1982 um regime político original na China à medida que ele abria o caminho para um desenvolvimento capitalista, a saber, uma contra-revolução social. Esta reforma instaurava um modo de funcionamento colegial nas direções do PCC em todos os níveis com vista a evitar a monopolização do poder por um só homem e o recurso ao culto da personalidade. Uma das cláusulas principais era a limitação da duração dos mandatos à frente do partido e do país a duas vezes cinco anos, ou seja, dez anos consecutivos no máximo. Esta cláusula tinha sido respeitada por Jiang Zemin (1993-2003) e Hu Jintao (2003-2013) – e foi ela que Xi Jinping transgrediu neste XX congresso elegendo-se para um terceiro mandato consecutivo.

O seu projeto tornou-se realidade. Xi empenhou-se em desmantelar peça por peça a ordem política implementada sob a égide de Deng para instaurar uma outra que se revela, no essencial, o seu oposto. É por isso que ainda que haja uma continuidade no regime social (capitalista) se pode falar numa contra-revolução política da qual precisamos compreender toda a extensão. Ela diz respeito, de facto, à governança do conjunto do país e tem como consequência dotar Xi Jinping de um poder pessoal sem precedentes na história da China moderna, ainda que o seu domínio sobre a sociedade seja menor do que ele gostaria.

A segunda diz respeito à natureza das mudanças que afetaram o PCC de Mao a Xi.

A continuidade nominal esconde descontinuidades maiores na história do PCC no poder e Xi não é um novo Mao. Isto deveria ser evidente. Quando a autoridade de Mao Zedong foi posta em causa depois do muito oneroso falhanço do Grande Salto em Frente (1959) e ele a quis restabelecer, apelou à juventude para se rebelar contra os supostos defensores de um regresso ao capitalismo no seio do aparelho de Estado, iniciando a Revolução Cultural (1966-1969) e abrindo uma verdadeira caixa de Pandora em que todas as contradições da sociedade se manifestaram a céu aberto. Consegue-se imaginar Xi Jinping (ou Estaline) a fazer o mesmo?

Não há nada mais estranho do que ver um regime ou um partido qualificado como “comunista” pelos politólogos mainstream independentemente da sua base, do regime económico que defende ou combate, da sua história. No que é que um país que desempenha um papel chave na dinâmica do capitalismo mundializado (a China contemporânea) é comunista? No que é que uma dinastia hereditária (o regime norte-coreano) que tem como ideologia o Juche é marxista?

Mao e Xi pertencem a duas épocas diferentes. O primeiro foi um ator maior da longa vaga revolucionária iniciada em 1917; o segundo um homem do aparelho trabalhando para ascender ao poder a partir das rivalidades internas no seio do PCC no quadro de uma longa vaga contra-revolucionária iniciada nos anos 1980. Mao Zedong ganhou proeminência no seio do PCC juntando à sua volta quadros vindos de horizontes vários, temperados no fogo das lutas sociais e militares da revolução chinesa. Xi Jinping selecionou vassalos a seu serviço.

Revisitemos estas duas questões em maior detalhe.

Uma contra-revolução política

O pano de fundo

O regime maoista entrou numa crise terminal durante a Revolução Cultural (1966-1969), no pico da qual o partido e a administração se desintegraram [4], tendo Mao de recorrer ao exército para impor uma retomada de poder, até contra alguns dos seus apoiantes. Datemos em 1969 a morte política do maoísmo original, cerca de sete anos antes da morte do Grande Timoneiro (provavelmente precedida por um período de senilidade).

O poder foi temporariamente capturado pelo Bando dos Quatro (1973-1976) cujo reinado retrógrado, hiper e estupidamente burocrático, criou as condições para um posterior regresso em força de quadros que tinham sido marginalizados, reprimidos, torturados, presos. Entre os principais dirigentes do partido, dois deles não sobreviveram: Liu Shaoqi e Peng Dehuai, mortos na prisão. Raros foram os que durante este período sombrio mantiveram uma certa continuidade de autoridade estatal como Zhou Enlai que desempenhou um papel chave, nomeadamente no plano internacional.

Em 1978, um dos sobreviventes da década 1966-1976 e um dos principais dirigentes históricos da revolução chinesa, Deng Xiaoping, voltou a ganhar ascendente no partido. Desencadeou reformas que abriram o caminho a um desenvolvimento capitalista. Contribuiu para dotar a China de um regime político “pós-maoísta” (com a sua reforma de 1982) e, em 1989, contribuiu (após algumas hesitações, ao que parece) para o esmagamento do Movimento do 4 de junho, em Pequim e muitas outras partes do país. Este “momento” contra-revolucionário ficou na história com o nome de “Massacre da Praça Tiananmen” mas é um qualificativo demasiado restrito, enganador, dada a amplitude geográfica e social da repressão e o seu objetivo: quebrar as resistências populares às reformas. [5] Deng não era um democrata, facto pelo qual Xi Jinping obviamente não o censurará, mas aprendeu com a crise que mergulhou a China no caos e procurou estabelecer salvaguardas para garantir que tal não voltasse a acontecer, restringindo as ambições pessoais e assegurando a colegialidade do funcionamento dos órgãos dirigentes a todos os níveis. Sendo o próprio Xi filho de um dirigente do PCC, Xi Zhongxun, enviado para se “reeducar” no campo durante a Revolução Cultural (acompanhado pela sua prole), alguns esperavam que ele aprovasse a prática do seu antecessor. Nada disso. Ele não tinha nada contra o poder pessoal, desde que fosse o seu.

Uma modificação radical do regime político

A renovação a cada cinco anos dos órgãos de direção permite às sucessivas gerações aceder-lhe. As relações de força entre frações eram sancionadas nos conclaves de quadros. Foi assim que Xi Jinping foi escolhido como secretário geral porque não representava nenhuma das frações principais cujo poder estava equilibrado. A partir de então, fez uma “triagem” o mais possível os quadros desde o início do processo de renovação. O santo dos santos, a comissão permanente, está sob o seu estrito controlo; a questão da sucessão obviamente não se coloca, uma vez que ele próprio irá suceder-se.

Deng Xiaoping tinha colocado os seus próximos em postos chave mas evitava a acumulação de mandatos, sendo ele próprio apenas presidente da comissão militar central. Xi Jinping é secretário-geral do partido, presidente da comissão militar central e presidente da República Popular da China. Um tripé montado para assegurar o seu poder pessoal. Seria possível que, para o concretizar, o XX Congresso tivesse restabelecido o título de presidente do partido (o título de Mao que Deng suprimiu).

Xi impôs uma reforma constitucional que levantou qualquer restrição quanto à duração dos mandatos. Pode, se o desejar (e é atualmente claramente o caso!) e se mantiver o controlo do aparelho (e fez tudo por isso) tornar-se presidente vitalício.

O “tio Xi” implementou um culto desenfreado da personalidade que deixa pouco a invejar ao culto delirante a Mao durante a Revolução Cultural, recorrendo aos meios oferecidos por um sistema de controlo social particularmente desenvolvido (com leitura diária obrigatória das suas obras). No anterior Congresso, em 2013, o estatuto oficial concedido ao seu “pensamento” permaneceu um nível inferior ao de Mao. Cinco anos mais tarde, provavelmente pretende vê-lo ascender um degrau acima do seu ilustre antecessor.

O tom tinha sido dado desde há um ano, aquando da reunião plenária do Comité Central de novembro de 2021. A resolução adotada afirma que os tempos presentes representam “a epopeia mais magnífica da história da nação chinesas ao longo dos seus milénios”, tendo “o socialismo à chinesa entrado numa nova era” desde a ascensão ao poder de Xi cujo “pensamento é a quinta-essência da cultura e da alma chinesas” e cuja presença no “coração” do partido “é de uma importância decisiva (…) para promover o processo histórico da grande renovação da nação chinesa” (tradução da AFP).

Conhecíamos no passado o “pensamento Mao Zedong” ou a “teoria” de Deng Xiaoping, é preciso agora aprender o “Pensamento sobre o socialismo com características chinesas para uma nova era de Xi”. A saber, em chinês: 习近平新时代中国特色社会主义思想 – isto é Xi Jin Ping Xin Shi Dai Zhong Guo Te Se She Hui Zhu Yi Si Xiang – numa forma abreviada: XJPXSDZGTSSHZYSX. Coragem! Como nota Long Ling [6], tenha Xi ultrapassado ou não os seus predecessores na qualidade da sua teoria, certamente os ultrapassou no número de caracteres necessários para os descrever.

No XIX Congresso do PCC (2017), Xi modificou o modo de governança do país, partilhado no passado entre o partido, as administrações governamentais ou regionais e o exército. Ainda que o partido, no coração do Estado, mantivesse o monopólio do controlo político, este sistema assegurava uma certa flexibilidade na gestão dos assuntos correntes num país-continente e permitia aos cidadãos recorrer a várias autoridades.

Segundo Xi, o partido deve ser o único canal de governança da China, “desde a aldeia mais remota”. O exército e os serviços secretos foram purgados em beneício dos seus próximos. Neste país com regionalismos muito pronunciados, procura evitar a formação de poderes locais ou regionais capazes de conquistar independência, ainda que isso signifique enviar para Cantão um responsável que não fala cantonês. [7].

A ditadura de uma clique: Xi não é o novo Mao

O projeto de Xi Jinping é substituir a ditadura do partido único pela ditadura da clique única. A vontade de controlo é mais do que a orientação de fundo de todas as suas decisões. Podemos assim usar o termo de clique para designar a direção Xi, constituída por vassalos.

Poder pessoal, culto da personalidade… a analogia é tentadora: Xi seria o novo Mao. De facto é algo diferente. Os dois não pertencem ao mesmo período histórico: a longa vaga revolucionária iniciada em 1917 por Mao, a longa vaga contra-revolucionária iniciada nos anos 1980. Mao Zedong ganhou proeminência no seio do PCC no fogo das lutas sociais e militares da revolução chinesa. Xi Jinping é um homem do aparelho que beneficiou das rivalidades internas no seio do PCC para ascender à direção suprema. Quanto à equipa da direção reunida em 1935 por Mao, ela não era constituída por vassalos, longe disso. Não havia igualmente uma “fração maoísta” poderosa o suficiente para se impor. Mao conseguiu juntar à sua volta dirigentes que tinham uma história e base próprias – ao fazê-lo, tornou-se e foi reconhecido como o primeiro entre eles.

Se um tal agrupamento de quadros chave se produziu foi porque respondia a um desafio central: romper a subordinação do PCC face a Moscovo – uma subordinação que tinha conduzido ao desastre em 1927 e nos anos seguintes. A Internacional Comunista tinha-se tornado um canal e o culto a Estaline o cimento ideológico. No seio do PCC, a fração Wang Ming era o seu agente. Na origem do que se tornou o culto da personalidade de Mao Zedong, havia a vontade de opor uma autoridade de pensamento e ação chinesa face ao “grande irmão” soviético. Este serviu-lhe, claro, para ajustar contas e conduzir purgas quando quis. Tal não impedia que a direção do PCC (política e militar) fosse composta de personalidades fortes, sem tomar isto em conta, não compreenderemos em nada as formas que a crise do regime maoísta assumiu, nem a capacidade de Deng Xiaoping posteriormente assumir o poder depois da queda do Bando dos Quatro e da morte de Mao.

Apesar de ser longa, retomo aqui uma apresentação que fiz em 2008 [8] dos membros da direção maoísta. Esta deveria provavelmente ser atualizada mas permite medir a distância que separa o mundo da revolução chinesa do de Xi Jinping. Estas biografias mostram ainda que a têmpera combatente dos quadros não impediu a sua burocratização, conquistada a vitória; mas essa questão ultrapassa o âmbito deste artigo.

Chen Yi (1901-1972). Originário de Sichuan, filho de um magistrado. Chegado a França em 1919, trabalha como estivador e depois operário na Michelin. Adere em 1921 às Juventudes Socialistas, antes de ser expulso do país. Regressado à China, adere ao PCC em 1923 e, em 1925, trabalha no departamento político da Academia militar de Huangpu (Wangpoha), sob a direção de Zhou Enlai. Participa na insurreição de Nanchang (1927), depois comanda com Zhu De a retaguarda do exército de He Long e Ye Ting, antes de se juntar às bases do Jinggangshan. Apoia Mao nas lutas de frações dos anos 1930 mas não participa na Grande Marcha, organizando até 1937 a resistência nas zonas evacuadas pelo grosso das forças comunistas. Em 1938, comanda o 4º Exército novo que estabelece uma base regional na China do Centro. Torna-se membro do Comité Central do PCC em 1945 (e da Comissão Política em 1956). Durante a guerra civil de 1945-1949, está à cabeça de uma das principais unidades do Exército Popular de Libertação, tornando-se também presidente de Câmara da aglomeração de Shanghai. É um dos dez Marechais. Próximo de Zhou Enlai, torna-se ministro dos Negócios Estrangeiros em 1958. Violentamente atacado durante a Revolução Cultural (1967), provavelmente doente, apaga-se antes da sua morte. Será reabilitado a partir de 1972.

Chen Yun (1900-1995). Originário de Jiangsu, nos arredores de Shanghai. De família operária, adere ao PCC em 1924. Militante sindical durante a revolução de 1925-1927, depois da derrota junta-se à zona vermelha de Jiangxi onde fica encarregue dos Assuntos Sociais. Entra na Comissão Política em 1934 antes de ser enviado por dois anos à URSS. De regresso a Yan’an em 1938, é responsável pela organização, depois pelas questões económicas. Participa na defesa de regiões importantes no centro da China e na Manchúria. Tornando-se Vice-Primeiro-Ministro em 1949, fica encarregue da reconstrução e do desenvolvimento do país. Ministro do Comércio, entra em conflito com Mao por causa das suas orientações económicas. Em semi-desgraça em 1957 e sofrendo ataques políticos durante a Revolução Cultural, só reaparece no primeiro plano em 1978, na sequência da re-ascensão de Deng Xiaoping.

Deng Xiaoping (1904-1997). Originário de Sichuan, vindo de uma família de terratenentes, vai para França (1920-1926) onde se torna operário-estudante e adere à Liga das Juventudes Socialistas, depois (em 1923) ao PCC. Passa por Moscovo antes de regressar à China. Clandestino em Shanghai depois da contra-revolução de 1927, junta-se à base de Jiangxi onde apoia a fração maoísta. No seguimento da Grande Marcha, torna-se comissário político do Grupos dos exércitos comandado por Lin Biao, depois na Divisão comandada por Liu Bocheng com o qual ficarár até à vitória de 1949. Ao início um dos principais responsáveis da China do Sudoeste, é nomeado Vice-Primeiro-Ministro em 1952. Entra para a Comissão Política em 1955, depois torna-se um dos seis membros da sua Comissão Permanente aquando da criação deste organismo em 1956. Opõe-se a Mao a partir do falhanço do Grande Salto em Frente. É, desde o início, uma das primeiras vítimas da Revolução Cultural. Regressa a partir de 1973 e torna-se, com o apoio de Zhou Enlai, membro da Comissão Permanente em 1975. Prepara, em 1978, as reformas económicas que, em última instância, abrirão caminho a um novo desenvolvimento capitalista.

Dong Biwu (1886-1975). Originário de Hubei, de uma família culta mas sem propriedades. Na altura da revolução de 1911, junta-se ao exército e à Liga de Sun Yatsen. Participa no Movimento do 4 de Maio de 1919 em Shanghai. Tornando-se marxista, é um dos membros fundadores do PCC (1921). Liga-se ao movimento sindical, depois ao camponês, de Hubei. Ao longo destes anos, trabalhou clandestinamente em várias ocasiões no seio dos exércitos. Foi forçado a fugir depois da contra-revolução de 1927 e foi para Moscovo (1928-1932). De regresso à China, junta-se às bases do Jiangxi onde é nomeado diretor da Academia do Exército Vermelho. Depois da Grande Marcha, dirige a Escola do Partido. Durante a resistência anti-japonesa, ocupa-se das relações com os outros movimentos políticos e, em 1945, participa nas negociações de paz (abortadas) indo aos Estados Unidos neste quadro. Ingressa a Comissão Política e preside à comissão que define as instituições da futura República Popular, da qual é Vice-Presidente em 1959-1975. Ocupa funções importantes no seio do PCC. Com a imagem do “Velho” que carrega desde a fundação do PCC, é uma das raras personalidades a encarnar a continuidade do Estado durante a Revolução Cultural. Entra na Comissão Permanente em 1973.

Lin Biao (1907-1971). O mais jovem dos Dez Marechais chineses. Originário de Hubei, de um meio da pequena burguesia rural. Adere às Juventudes Comunistas em 1925 (ao partido em 1927). Militante estudantil, entra na Academia Militar de Huangpu (Whampoa) e, oficial brilhante, participa na Expedição do Norte, depois no levantamento de Nanchang. Retira-se para o maquis de Jinggangshan em 1928 com Zhu De, onde encontra Mao. Comanda a vanguarda das tropas revolucionárias durante a Grande Marcha. Ferido em 1938, é cuidado na URSS até ao seu regresso à China em 1942. É eleito para o Comité Central em 1945, depois comanda as forças comunistas na Manchúria, impondo-se como um dos principais dirigentes militares do partido. Depois da vitória, não desempenha nenhum papel de primeira linha antes de ser nomeado ministro da Defesa em 1959. Aliado a Mao Zedong, faz figura de herdeiro nas vésperas da Revolução Cultural (1969). Contudo, cai, vítima das lutas de frações que continuam a dilacerar a direção do PCC e morre em 1971 em circunstâncias obscuras.

Liu Bocheng (1892-1986). Chamado o “dragão de um olho”, um dos Dez Marechais. Originário de Sichuan, filho de um músico ambulante. Entra em 1911 no exército republicano e perde um olho em combate. Adere ao PC em 1926. Serve nos exércitos nacionalistas do Guomindang, depois participa na direção da insurreição de Nanchang com He Long e Ye Ting. Segue o curso da Academia Militar Frounzé na URSS e volta em 1930 à base do Jiangxi onde defende conceções “profissionais” da estratégia militar contra Mao mas junta-se a este em 1935 durante a Grande Marcha. Torna-se, depois de 1937, um dos principais comandantes do Exército Vermelho com Lin Biao e He Longs. Em 1955 é um dos Dez Marechais. Entra no Comité Central do PCC em 1945 e na Comissão Política em 1956. Talvez devido à sua idade e saúde deteriorada (fica cego), não é vítima das lutas de frações dos anos 1959-1976 e permanece até 1980 como um dos vice-presidentes do exército. Continuou provavelmente próximo de Deng Xiaoping que era Comissário Político do corpo do exército que ele comandava em 1937.

Liu Shaoqi (1898-1969). Originário de Hunan, filho de um professor. Envolve-se na política em 1920 e parte para estudar em Moscovo em 1921-22, onde adere ao PCC. De regresso à China, dirige a atividade sindical nas minas de Anyuan, depois, a partir de 1925, trabalha no desenvolvimento dos sindicatos em Shanghai. Eleito para o Comité Central depois da contra-revolução de 1927, entra na clandestinidade e milita em Shanghai, na Manchúria, na China do Norte. Em 1932, teve que retirar para Jiangxi e participa da Grande Marcha, antes de regressar ao norte da China para retomar as suas atividades clandestinas. Em 1941 torna-se comissário político do Novo Quarto Exército, depois vai para Yan’an em 1942 no quadro do “movimento de retificação” conduzido por Mao. Em 1945, faz figura de número 2 do parti. Vice-Presidente do governo em 1949. Depois do falhanço do Grande Salto em Frente, substitui Mao como presidente da República Popular. Trabalha com Deng Xiaoping. Torna-se um dos principais acusados da Revolução Cultural em 1967, é expulso do partido em 1968 e morre na prisão na sequência de maus tratos. Só é oficialmente reabilitado em 1980.

Mao Zedong (1893-1976). Filho de camponses abastados de Hunan; um dos fundadores do PCC (1921). Militante sindical e jornalista político, torna-se um dos principais responsável pelo Instituto de Formação dos Quadros Camponeses implementado pelo Guomindang (1924). Depois da contra-revolução de 1927, agrupa algumas forças comunistas em Jinggangshan, depois torna-se presidente da República Soviética de Jiangxi. Insistindo no papel dos camponeses e do Exército Vermelho no processo revolucionários chinês, acaba por ficar em minoria no seio da Comissão Política. Só em 1935 ganha de forma duradoura a direção do PCC, durante a Grande Marcha, na conferência de Zunyi. É o principal estratega, apesar de não ser o único. A sua proeminência só será posta em causa depois do Grande Salto em Frente (1959), tendo a crise na direção do PCC aberto o caminho para a Revolução Cultural. Mao sai formalmente vencedor da crise dos anos 1966-1969, mas trata-se de uma vitória de Pirro. A realidade do poder escapa-lhe provavelmente rapidamente. Os seus adversários fracionais ganham o poder pouco depois da sua morte.

Peng Dehuai (1898-1974). Originário de Hunan, de um meio de camponeses mais pobres com o qual rompe com a idade de onze anos, vagabundeando, “desenraizado”, vivendo de pequenos trabalhos. Leva a cabo um levantamento camponês em 1916. Alista-se no exército, faz parte de uma conspiração contra o governador provincial, junta-se ao exército do Guomindang de Sun Yatsen. Oficial, adere à guerrilha e ao PCC em 1928 em Jingganshan. Dirige uma das duas principais forças comunistas de Hunan, depois opõe-se à política militar de Mao, mas junta-se a este em 1935. Comandante do Exército Vermelho ao lado de Zhu De até 1949, depois do corpo armado envolvido na guerra da Coreia até 1953. Um dos Dez Marechais. Participa nas negociações com a URSS. Opõe-se a Mao na altura do Grande Salto em Frente. Caído em desgraça, é uma das vítimas da Revolução Cultural, preso em 1966, torturado pelos guardas vermelhos em 1967, morre na prisão uma década mais tarde. É reabilitado em 1978.

Zhou Enlai (1898-1976). Originário de Jiansu, de uma família de notáveis vindos de Zhejiang e do meios dos “mandarins” abastados. Prossegue estudos no Japão, depois participa no Movimento do 4 Maio de 1919. Preso em 1920, passa uma centena de dias em detenção, depois vai para França onde adere ao movimento comunista (início de 1921). Desenvolve o ramo europeu do PCC. Ocupa, a partir do seu regresso à China (1924), funções importantes na região de Cantão onde dirige a secção política da Academia Militar de Huangpu (Whampoa) do Guomindang. Casa em 1925 com Deng Yinchao. Um dos dirigentes da insurreição operária de Shanghai em 1927, escapa à repressão sangrenta que se segue à entrada na metrópole das forças de Chiang Kai-shek. Participa no levantamento de Nanchang. É membro da direção do PCC continuamente de 1927 a 1976 e incarna, acima das lutas fracionais, a continuidade do partido, depois a do partido-Estado. Trabalhou com os dirigentes preferidos de Moscovo e opõe-se, em Jiangxi, a Mao. Junta-se a este em 1935. Desempenha um papel importante nas negociações entre forças políticas chinesas durante a guerra anti-japonesa e nos contactos com os meios intelectuais ou estrangeiros. Primeiro-Ministro a partir de 1949 e encarregue dos Negócios Estrangeiros (1949-1958), conduz ele próprio as negociações com Moscovo na véspera da vitória em 1949. É uma das figuras centrais da conferência de Bandung (1955). Limita as perdas da diplomacia chinesa durante a Revolução Cultural, depois prepara a normalização das relações com Washington (vinda de Nixon a Pequim em 1972). No plano interno, desempenha um papel muito importante de “estabilizador”. Favorece o regresso ao poder de Deng Xiaoping.

Zhu De (1886-1976). O primeiro dos dez Marechais de 1955. Originário de Sichuan, de uma família de camponeses arruinados. Enviado para estudar à custa de grandes sacrifícios, rompe com a sua família quando escolhe, por nacionalismo, entrar no exército em vez de valorizar o seu diploma. Sub-tenente em 1911, participa na revolução republicana. Depois de muitas vicissitudes, em 1922, general aos 36 anos, opiómano a sair de uma cura de desintoxicação, vai para França, conhece depois Zhou Enlai em Berlim. Depois de ter militado durante três anos na Alemanha, volta para a China via Moscovo. Regressando à carreira militar, prepara a insurreição de Nanchang em 1927. Em 1928, acaba por encontrar Mao em Jinggangshang onde é criado o Quarto Exército Vermelho e participa na fundação da República Soviética de Jiangxi. É comandante chefe dos exércitos e permanece no cargo até 1954. Casa em 1929 com Kang Keqing. Vice-presidente do governo a partir de 1949 e da República popular em 1954-1959. Ainda que tenha defendido Peng Dehuai em 1959 e se tenha oposto a Mao durante a Revolução Cultural (foi denunciado pelos Guardas Vermelhos), não sofre as mesmas perseguições que outros dirigentes, provavelmente devido ao seu prestígio histórico.

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A reeleição de Xi Jinping para a chefia do partido e para a Comissão Militar Central, a sua reeleição no próximo ano para a Presidência da República Popular não resolverá nenhum dos problemas com os quais o seu país e o seu regime estão confrontados – e são numerosos, tanto no plano interno quanto externo.

Xi Jinping soube beneficiar de uma “janela de oportunidade” histórica quando os Estados Unidos se mostravam incapazes de operar a sua recentragem estratégica na Ásia e quando os dois países, ainda que rivais, cooperavam ainda na arena mundial. Aproveitou plenamente, culminando o processo iniciado pelos seus predecessores, impondo a China como a segunda potência mundial.

Esta janela de oportunidade fechou-se. As condições que permitiram o espetacular crescimento chinês não estão mais, pelo menos numa parte decisiva, reunidas. Entrámos, de facto, num período sem precedentes. O sistema político no qual Xi Jinping se fechou voluntariamente torna-o ainda mais inapto que os seus pares no mundo para compreender a natureza e a profundidade destas mudanças – o facto de ter rompido qualquer colaboração com Washington sobre a questão do aquecimento climático diz muito!

É pouco provável que o seguimento do XXº Congresso do PCC nos traga quaisquer boas notícias.


Pierre Rousset é fundador do International Institute for Research and Education de Amesterdão e da associação Europe Solidaire et Sans Frontières. É especialista na política do sul da Ásia sobre a qual escreveu vários livros.

Publicado originalmente no Europe Solidaire Sans Frontières a 17 de outubro de 2022. Traduzido para o Esquerda.net por Carlos Carujo.

 

Notas

[1] Helen Davidson e Emma Graham-Harrison, 16 outubro de 2022, The Guardian: Xi Jinping opens Chinese Communist party congress with warning for Taiwan.

[2] Brian Hoie, 17 outubro de 2022, New Bloom: China: Few surprises in 20th CCP National Congress on Taiwan by Xi.

[3] Adam Tooze, 4 de outubro de 2022, New York Times. Tradução francesa no A l’Encontre: Economie-débat. « La première désinflation mondialisée a commencé. Il n’est pas clair à quel point elle sera douloureuse ».

[4] A Revolução Cultural é um “acontecimento” muito complexo, que combina espaço de liberdades para a juventude com violências traumatizantes. Não a detalharemos aqui.

[5] Pierre Rousset, 2 de junho de 2014, ESSF: L’occupation de la place Tiananmen à Pékin et la répression du « Mouvement du 4 juin » 1989 en Chine.

[6] Na introdução ao seu artigo da London Review of Books (outubro de 2022).

[7] Numerosas línguas são faladas na China. Há mesmo várias línguas chinesas (entre as quais o cantonês e o mandarim) com uma versão escrita unificada na China continental. Oralmente são muito diferentes (tendo por exemplo um número diferente de tons) ao ponto de não serem compreensíveis umas para as outras

[8] Pierre Rousset, 18 de agosto de 2008, ESSF: La Chine du XXe siècle en révolutions – III – Annexe 1 : six coups de projecteur. Também encontramos neste artigo uma nota sobre o anarquismo na Ásia, uma apresentação de figuras do trotskismo chinês e seis quadros femininos do PCC.

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