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Venezuela: dissolução do parlamento é "rutura da ordem constitucional"

A Procuradora Geral da República, Luísa Ortega Díaz, avaliou a decisão do governo declarando que "se confirmam várias violações da ordem constitucional e desconhecimento do modelo de estado consagrado na nossa Constituição, o que constitui uma rutura da Ordem Constitucional."
Nicolas Maduro, presidente da Venezuela
Nicolas Maduro, presidente da Venezuela

O Tribunal Constitucional da Venezuela dissolveu o parlamento e assumiu o poder legislativo. Considerando a aliança política entre o Tribunal e o governo - e a concentração de poderes no executivo que a decisão do Tribunal acarreta -, a dissolução de um parlamento democraticamente eleito corresponde efetivamente a um golpe inconstitucional.

Foi assim que a Procuradora Geral da República, Luísa Ortega Díaz, uma histórica apoiante de Hugo Chávez, avaliou a decisão do governo declarando numa sessão pública do Ministério Público que "se confirmam várias violações da ordem constitucional e desconhecimento do modelo de estado consagrado na nossa Constituição da República Bolivariana da Venezuela, o que constitui uma rutura da Ordem Constitucional."


Segundo a Procuradora, existe "um dever histórico inelutável, não apenas na minha condição de Procuradora Geral da República, mas como cidadã deste país, de me referir às recentes decisões assinadas [pelo Tribunal Constitucional]." E recordou o processo que deu origem à Constituição de 1999, "todos os grupos culturais, indígenas, todos participaram nesta constituição impulsionada pelo Presidente Chávez. Foi um processo aberto, popular, participativo e protagonizado pelo povo venezuelano. Foi o povo que, através de um referendo consultivo aprovou esta Constituição".

Por isso, "como máxima representante do Ministério Público e em nome dos quase 10 mil funcionários, aos quase 3 mil fiscais que exercem de forma autónoma a ação penal, chamamos à reflexão para que se tomem caminhos democráticos que, respeitando a Magna Carta, criemos um ambiente de respeito do pluralismo. A que se debatam e se respeitem as diferenças de forma democrática."

Nas últimas eleições legislativas de dezembro de 2015, com o governo incapaz de controlar a crise económica, a oposição de direita ganhou uma maioria parlamentar hostil ao governo que, por sua vez, tem respondido de forma progressivamente autoritária, aprofundando os antagonismos institucionais do regime.

Após a vitória em 2015, a oposição deu início ao processo para despoletar um referendo revogatório da presidência - uma figura legal incluída por Hugo Chávez na revisão constitucional de 1999 que, permite ao parlamento lançar uma avaliação plebiscitária a qualquer cargo eleito na segunda metade do mandato o que, no caso da presidência, obriga à recolha de assinaturas de pelo menos 20% dos eleitores. O processo foi lançado com o Consejo Nacional Electoral a criar diversos entraves e, em outubro de 2016, a suspender indefinidamente o referendo por acusações de suspeitas de fraude, no que foi lido como um atropelo da constituição que o Bloco de Esquerda condenou em resolução da Mesa Nacional de setembro de 2016. Além disso, Maduro ameaçou com o despedimento de todos os funcionários públicos que tivessem subscrito a petição, uma atitude de intimidação que acompanhou a repressão de movimentos sociais, sindicatos e jornalistas.

Num texto de análise de Edgardo Lander, publicado e traduzido pelo Esquerda.net em três partes (I, II, III), este processo de degradação tem origem na própria estrutura rentista da economia do petróleo criada por Chávez. "Longe de assumir que uma alternativa ao capitalismo tinha necessariamente de ser uma alternativa ao modelo predatório de desenvolvimento do crescimento sem fim, longe de questionar o modelo rentista do petróleo, o que fez foi radicalizá-lo a níveis historicamente sem precedentes no país", explica. "Nos 17 anos do processo bolivariano, a economia foi-se tornando sistematicamente cada vez mais dependente das receitas do petróleo (...) para satisfazer as necessidades básicas da população." Ou seja, "reduziu-se a pobreza sem alterar as condições estruturais da exclusão".

Vários países da comunidade sul-americana condenaram já a iniciativa, com o Perú a retirar os seus embaixadores de Caracas e a ameaçar expulsar a Venezuela da Organização dos Estados Americanos (OEA), o que contaria com o apoio do México, do Paraguai e da Argentina (a Bolívia, Cuba e a própria Venezuela são contra, com as restantes 14 nações americanas sem posição assumida até ao momento). O secretário-geral da organização pronunciou-se também publicamente, avaliando a iniciativa do Tribunal como um "auto-golpe", evocando um termo utilizado para descrever a crise constitucional do Perú em 1992 que impulsionou a tentativa de Alberto Fujimori a subir ao poder.

Os líderes da oposição estão a mobilizar novos protestos em resposta ao governo, convencidos de que o governo está próximo do colapso.

Pela sua parte, Nicolás Maduro repete que está a ser vítima de uma "guerra não convencional" promovida pelos Estados Unidos da América.

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