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Varsóvia realinha-se por Bruxelas

A polémica sobre a deposição dos restos mortais do presidente polaco Lech Kaczyński em Cracóvia na catedral de Weiwel, destinada aos “heróis da Pátria”, antecipa os debates que vão marcar a vida da Polónia nas próximas semanas.

A polémica sobre a deposição dos restos mortais do presidente polaco Lech Kaczyński em Cracóvia na catedral de Weiwel, destinada aos “heróis da Pátria” com tudo o que essa designação ambígua pode significar, foi uma antecipação simbólica dos debates tão intensos como superficiais que vão marcar a vida da Polónia nas próximas semanas e reflecte aqueles assomos de nacionalismo entranhado em torno dos quais, afinal, tudo irá decidir-se nas eleições presidenciais de meados de Junho.

Correrão rios de tinta, haverá a sensação de que muita coisa estará em jogo no destino do país, mas a verdadeira alternativa é prosaica e resume-se à escolha entre o populismo urbano mais polido e europeísta e o populismo de mentalidade rural, provinciana e místico. A guerra política está aberta entre os dois troncos da direita e embora o cidadão comum possa sentir a ilusão da escolha o que terá como certo é a continuação da procura da melhor maneira de sobreviver na crise.

Para muitos analistas da situação interna, mesmo as dúvidas que existem podem ser residuais. O capítulo político interpretado pelos gémeos Kaczyński estava prestes a ser encerrado mesmo antes do terrível golpe sofrido em Smolensk e quando a emoção místico-patrioteira se dissipar nos corredores da realpolitik de Varsóvia deverá chegar, como se previa, a hora do pleno de Donald Tusk e da sua Plataforma Cívica. As elites de Bruxelas suspiram de alívio; o fundamentalismo neoliberal avança a todo o vapor sob a bandeira da “modernização”.

A figura política que emerge no cenário polaco mais actual, mas que já fazia célere o seu caminho mesmo antes da nova tragédia polaca de Kathyn, é Bronislaw Komorowski, presidente da Câmara Baixa do Parlamento e chefe de Estado interino nos termos da Constituição. Vice-presidente da Plataforma Cívica e braço direito do primeiro ministro Donald Tusk, é mais do que um presidente interino na actual situação: é o único candidato sobrevivente na corrida presidencial em curso e já era, de longe, o favorito nas sondagens devido à acentuada perda de popularidade de Lech Kaczyński.

O falecido presidente era o principal rival de Komorowsky nas eleições – previstas para o Outono e agora antecipadas para Junho – sendo que outro candidato com algum peso, o socialista Jerzy Szmajdzinski, faleceu igualmente no acidente do avião presidencial.

Não custa prever que a Plataforma Cívica faça o pleno em Junho, juntando o cargo de chefe de Estado ao de primeiro ministro e limpando da arena política polaca os restos de “eurocepticismo” interpretado pelos gémeos Kaczyński no quadro de um populismo de cariz ultramontano. A corrente pura neoliberal caminha para o controlo absoluto da economia polaca.

Jaroslaw Kaksinsky, o antigo primeiro ministro que governou a Polónia durante uma legislatura, em conjunto com o irmão presidente, é a única incógnita que resta na actual situação. O seu Partido da Lei e da Justiça ficou sem candidato e, de facto, trata-se de uma organização criada e mantida através do carisma populista dos gémeos. Jaroslaw poderá ainda apresentar-se às urnas mas o seu posicionamento mais recente, reflectido em declarações de um porta-voz, é o de que “não quer ouvir falar em política”, reforçando a tese dos analistas que prevêem a sua retirada.

Admite-se que os quadros do seu partido e os sectores mais tradicionalistas que neles se revêem o pressionem a candidatar-se para que a organização não desapareça e procure tirar partido político da componente emocional decorrente da tragédia, mas as hipóteses de Jaroslaw Kaksinsky e do próprio partido parecem muito limitadas.

Bronislaw Komorowski surge, por seu lado, como o político ideal para este momento, fazendo a síntese das correntes direitistas polacas. É certo que a sua eleição para os cargos representativos no Parlamento provocou, em tempos,  o divórcio político entre a Plataforma Cívica e o Partido da Lei e da Justiça, quando o poder deste era exuberante através das performances dos gémeos.

A situação alterou-se profundamente com o acidente de Smolensk, e nele terá ficado também em destroços a ideia da “quarta república” acarinhada pela família Kaksinsky contra a herança deixada pelas influências neoliberais em torno das gestões Walesa, que os gémeos chegaram a apoiar.

Komorowski é candidato a presidente da república mas é, simultaneamente, um nobre, filho de um conde, o conde Zygmunt Leon Komorowsky com sangue partilhado por famílias reais europeias; nascido no tradicionalíssimo norte da Lituânia, é herdeiro da aristocracia feudal que governou durante mais de dois séculos a região de Zywiecczysm, na Polónia.

Ao mesmo tempo, segundo os seus textos e discursos políticos, é um grande adepto da “modernização” do país entendida como economia aberta com respeito pelos “valores tradicionais polacos”. Foi conselheiro do Solidarnosc de Walesa, tem currículo de “dissidente”, distinguiu-se como patrono de organizações de escuteiros e professor de um seminário, estando por isso de boas relações com o importante poder clerical e episcopal.

Por duas vezes foi ministro da Defesa nos anos da transição do século, facto que lhe granjeou prestígio nas forças armadas e lhe permite ter pergaminhos na garantia da “autoridade do Estado”, componente forte do argumentário político do partido dos gémeos Kaczyński.  Em dupla com Donald Tusk, Komorowski é o garante da estabilidade política em Varsóvia, da paz luminosa com Bruxelas e do respeito pelos interesses dos Estados Unidos da América quando se proporcionar a instalação dos novos instrumentos militares “defensivos” norte-americanos no solo polaco.

Aos cidadãos polacos continuarão garantidas as “políticas de austeridade”, as condicionantes impostas aos aparelhos de protecção social, as supressões de postos de trabalho. 

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