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“Uma nova lei de Bases da Saúde em linha com a lei do SNS”

António Arnaut e João Semedo enviaram, em 20 de abril deste ano, uma mensagem pública em defesa de uma nova lei de bases para o Serviço Nacional de Saúde, foi um dos últimos textos dos dois defensores do SNS.

António Arnaut e João Semedo dirigiram a mensagem ao jantar “Em Abril, Esperanças Mil”, que em Lisboa assinalava mais um aniversário da Revolução dos Cravos.

Esta viria a ser uma das últimas intervenções públicas de António Arnaut, uma figura central da história da democracia portuguesa e a quem, carinhosamente, foi atribuída a paternidade do Serviço Nacional de Saúde, causa à qual dedicou a sua vida cívica.

Seria igualmente uma das últimas intervenções de João Semedo, que foi sempre um eminente defensor do SNS.

O esquerda.net publica na íntegra a mensagem dirigida a esta sessão evocativa do 25 de abril de 1974:

“Uma nova lei de Bases da Saúde em linha com a lei do SNS”

O  Serviço  Nacional de  Saúde (SNS) vive  uma crise indisfarçável.  Julgamos mesmo que, em rigor, pode dizer-se que há muito que esses limites foram ultrapassados, sobrevivendo o SNS à custa da entrega abnegada dos profissionais de saúde aos seus doentes e serviços.

O  SNS  está em  regressão e  declínio. Nos  últimos anos, tem  sido vítima de um arrastado processo de degradação e degenerescência:  degradação do seu funcionamento e da resposta às necessidades dos seus utentes, degenerescência dos seus princípios fundadores.

Se nada for feito para suster e inverter esta curva descendente, o SNS deixará de ter condições para continuar a ser o garante do direito à saúde e, onde hoje temos um direito reconhecido e consagrado, passaremos a ter apenas negócio e nada mais do que negócio. Não permitiremos que a saúde deixe de ser um direito para se converter e degenerar num grande negócio.

O colapso do SNS seria uma tragédia para a nossa democracia social, não apenas e desde logo porque impediria o acesso de muitos portugueses aos cuidados de saúde de que necessitam, frustrando o seu direito constitucional à proteção da saúde mas, também, porque se saldaria no agravamento das desigualdades sociais.

Surpreende por isso e causa-nos profunda inquietação a atitude facilitista e despreocupada e, até, algum tom desculpabilizante, por vezes muito próximo do auto-elogio, dos responsáveis pela política de saúde.

Não  se resolvem  os grandes problemas  do SNS, resolvendo os  seus pequenos problemas. Problemas políticos desta dimensão exigem respostas políticas à altura e não apenas medidas pontuais e descontínuas, por muito acertadas que sejam tecnicamente.

Os  grandes  problemas  do SNS estão  há muito identificados  e não faltam soluções. Sabemos como  chegámos a esta situação mas é evidente  que falta vontade e determinação políticas para  romper com o passado e mudar aquilo que é indispensável  mudar. Ou a democracia acaba com o assalto dos grupos privados  ao SNS ou estes vão concluir o que puseram em marcha há 30 anos: o desmantelamento do SNS. Não há mais qualquer outra alternativa.

Por isso apresentámos recentemente a proposta de uma nova Lei de Bases da Saúde. Da actual já  nada há a esperar, a direita fez dela a sua plataforma para assaltar o SNS – a livre concorrência entre público e privado, a privatização da prestação de cuidados e da gestão dos hospitais  públicos, o subfinanciamento, o fim das carreiras profissionais, a precariedade e a desregulação laborais, o desvio de profissionais e de outros recursos, os hospitais-empresas, as PPP, a desvalorização  da saúde pública, a secundarização da promoção da saúde e da prevenção da doença, a gestão centralizada e a incapacidade de reformar e modernizar o SNS. É isto que a direita tem para oferecer ao SNS.

Por isso é tão importante aprovar uma nova Lei de Bases da Saúde.  Sabemos que não basta mudar a lei, muitas outras mudanças são indispensáveis mas, sem mudar a lei de Bases  não conseguiremos interromper, travar e inverter o declínio do SNS.

A grande e principal motivação política desta proposta é fazer regressar o SNS aos seus valores e  princípios fundadores e constitucionais, a saber: direito à saúde para todos e assegurado pelo  Estado através do Serviço Nacional de Saúde. Um SNS universal, geral e gratuito, de gestão integralmente pública, cuja prestação de cuidados obedeça a padrões de qualidade e humanidade   e que se relacione com as iniciativas privadas e sociais na base da complementaridade e não da concorrência.

Em resumo, o que pretendemos é uma lei de Bases da Saúde em linha com a lei do SNS, a lei de 1979.

Sem o 25 de Abril não teríamos criado o SNS e sem a democracia não o teríamos feito crescer. O SNS, como filho primogénito que é da Revolução de Abril, merece de todos e de cada um e cada uma de nós, a maior exigência na sua defesa. Nos dias de hoje, esse é o maior  desafio que se apresenta a todas as forças de esquerda: todos juntos, salvarmos o SNS. É o apelo que queremos partilhar convosco e que vos convidamos a abraçar, com a força de Abril.

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