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Turquia: Livro sobre a tortura como instrumento de dominação editado em Portugal

A impossibilidade de “penetrar na experiência” da tortura através da literatura está expressa no livro “O Edifício de Pedra” que reflete sobre estas práticas levadas a cabo pelo regime de Erdogan sobre os curdos.
Asli Erdogan está preocupada com os sinais de autoritarismo que se avolumam na Turquia. Foto Politika
Asli Erdogan está preocupada com os sinais de autoritarismo que se avolumam na Turquia. Foto Politika

A autora do livro- que será lançado a 15 de fevereiro- Asli Erdogan disse à Lusa a partir de Istambul que“existem e conheço muitos livros sobre campos de concentração, em particular de ex-prisioneiros e sobreviventes, e o principal elemento é que não é possível penetrar nessa experiência”.

A escritora turca está em liberdade condicional desde o final de dezembro do ano passado depois já de ter passado cinco anos na prisão devido a suspeitas de “atividades subversivas”.

“A minha principal questão foi saber até que ponto pode ir a literatura face a situações extremas como a tortura, ou campos de concentração”, referiu Asli Erdogan, que foi detida em agosto de 2016 sob a acusação de ligações à resistência curda, tendo acrescentado que “as experiências extremas estão para além da linguagem”.

O sagrado, o feio e o sórdido

A escritora disse ainda que procurou uma linguagem que “ pudesse tocar na essência” de uma experiência levada ao extremo.

“Por exemplo, na literatura turca a tortura é geralmente abordada como uma questão de coragem ou resistência, enquanto na literatura latino-americana é geralmente encarada como uma tragédia”, assinalou.

Desta forma, no livro “O Edífico de Pedra”, a autora referiu que procurou uma nova abordagem, tendo explicado que tentou “transportar o mais sagrado,o mais sórdido e o mais feio, em conjunto”.

"É por isso que no livro existe o homem louco e um anjo, que de facto são a mesma pessoa”, disse.

Faz no entanto um alerta para aquilo que considera serem os limites desta incursão num mundo de sofrimentos.

“Há um momento em que a literatura deve parar, não deve entrar na câmara de tortura e explicar o que sucede. Isso não será literatura, antes uma espécie de pornografia da dor”, declarou.

A escritora diz ainda que o romance é atual, definindo-o com uma “metáfora”, que se pode relacionar com “qualquer edifício de pedra, pelo mundo”.

Asli Erdogan - que foi distinguida no passado dia 10 de janeiro por uma fundação austríaca de direitos humanos com o prémio Bruno Kreisky - é autora de oito livros, alguns traduzidos em França, Reino Unido e Estados Unidos, tendo sido também colunista e membro do conselho consultivo do diário da oposição pró-curdo Özgür Gündem, encerrado após a imposição do estado de emergência que se seguiu  à tentativa de golpe militar de 15 de julho.

Na sequência do encerramento do jornal, Asli acabou por ser detida com mais de 20 outros jornalistas e funcionários do jornal e está a ser julgada no seu país por quatro crimes diferentes.

Quando os regimes se tornam cada vez mais totalitários mais jornalistas conhecem problemas, mas se começam a tocar nos artistas e nos escritores, isso significa que pretendem garantir o monopólio da verdade

A escritora está proibida de sair da Turquia até à conclusão do julgamento, manifestando preocupação com os “sinais” que se avolumam no seu país.

“Se o sistema é incapaz de digerir ou mesmo tolerar-me, mesmo a mim, isso significa que é um sinal muito sério”, sublinhou, tendo ainda deixado o alerta: “Quando os regimes se tornam cada vez mais totalitários mais jornalistas conhecem problemas, mas se começam a tocar nos artistas e nos escritores, isso significa que pretendem garantir o monopólio da verdade”.

 Asli Erdogan não hesita em comparar a atual situação na Turquia à década de 30 do século passado, marcada por aquilo que considera como uma “grande vaga de líderes populistas e autoritários” que chegaram ao poder em diversos países e com discursos muito parecidos sobre questões relacionadas com liderança e patriotismo.

“Na Turquia é um fenómeno mais evidente, na nossa história nunca tivemos instituições democráticas fortes, a nossa proximidade com um Médio Oriente sempre em convulsão torna a situação mais instável”, afirmou.

O trabalho de Asli Erdogan está marcado pela preocupação com as minorias, sejam curdos, alevis -um ramo místico do islão e seguidores de Ali, com milhões de crentes na Turquia de maioria sunita – e também com as mulheres que independentemente de “serem em maior número que os homens são tratadas como uma minoria”.

A edição portuguesa de  “O Edifício de Pedra” tem tradução de José Manuel Barata-Feyo e é publicado pela Editora Clube do Autor.

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