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Turquia: jornal pró curdo e contra Erdogan encerrado, jornalistas presos violentamente

Ozgur Gundem, jornal turco que defende os direitos da população curda e se opõe a Tayyip Erdogan, foi a última vítima da campanha generalizada de limpeza da oposição na Turquia. Bases de dados foram confiscadas, jornalistas presos e cartunista com dupla nacionalidade espanhola preso e espancado violentamente. Artigo de Manuel Martorell.
Dogan Guzel, de camisa rasgada, sendo conduzido à carrinha da polícia após o encerramento do jornal Ozgur Gundem. Foto de Firat News.

Dogan Guzel é um dos melhores cartunistas na Turquia. Oriundo da cidade de Diyarbakir, capital do Curdistão turco, vive entre Istambul e Sevilha, onde tem residência oficial, uma vez que durante a última década viveu em Espanha tendo nacionalidade e passaporte espanhol. Terça feira, foi preso na redação do jornal Ozgur Gundem, no qual publicava as suas atrevidas e incisivas vinhetas, quando unidades especiais da polícia antiterrorista se apresentaram para fechar o jornal e o espancaram quando exigiu à polícia a autorização judicial.

Ozgur Gundem, o único jornal que defende claramente os direitos da população curda e que se opõe à escalada autoritária de Tayyip Erdogan, foi a última vítima da campanha generalizada de purgas e limpeza da oposição na Turquia, aproveitando o clima de tensão causada pelo golpe de Estado de 15 de Julho.

Com este motivo já foram encerrados dezenas de meios de comunicação e quase uma centena de jornalistas foram detidos pela aplicação dos poderes extraordinárioios concedidos ao governo pelo estado de emergência aprovado no Parlamento, tenham ou não esses meios de comunicação a ver com o golpe militar.

O jornal agora encerrado sob a acusação de "propaganda terrorista" está entre os poucos que se tinham posicionado tanto contra o golpe militar como contra o contragolpe liberticida desencadeado pelo Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP) do governo. Na verdade, por causa da sua defesa dos direitos da população curda, Ozgur Gundem foi considerado "inimigo" tanto pelos partidários do golpe como do contra-golpe.

É neste sentido mais que significativo que muitos dos generais agora detidos estivessem à frente de unidades deslocadas para o Curdistão para implementar a política de repressão na região, sendo vários deles diretamente responsáveis ​​pelos crimes, incluindo massacres de civis, nesta guerra não declarada, seguindo exatamente as indicações do governo islamista de Erdogan.

Devido à sua linha política, esta terça feira, segundo a descrição de pessoas ligadas diretamente ao jornal Ozgur Gundem, unidades especiais normalmente envolvidas em operações de contraterrorismo apareceram no jornal, confiscando as bases de dados documentais e informáticas e prendendo os jornalistas que estavam no escritório central em Istambul.

Entre eles estava Dogan Guzel, que se atreveu a reivindicar o mandato judicial que permitisse confiscar e encerrar as instalações do jornal. Estas mesmas fontes afirmam que, nesse momento, o conhecido cartunista foi brutalmente espancado ao ponto de a sua camisa se rasgar, como se pode ver nas fotografias divulgadas nas redes sociais, nas quais se vê um agente a levar Dogan para uma carrinha da polícia.

O trabalho artístico abundante de Dogan, do qual se destacam personagens simpáticos que representam as crianças de rua da sua cidade, Diyarbakir, vivendo no meio de abandono e pobreza dentro dos limites do crime e da militância política. No passado 21 de março, celebrou o Newroz, “Dia Novo", o dia nacional dos curdos em castelhano e em curdo desenhando uma dessas figuras prestes a acender uma fogueira, como é habitual nessa festividade e nas noites de São João em Espanha.

Ao todo, só nesta atuação foram presos 24 jornalistas, incluindo um operador de câmara do canal de televisão IMC Gökhan Çetin, que conseguiu gravar alguns minutos da intervenção policial, até que um dos polícias à paisana detectou a sua presença e o obrigou a parar gravação.

A abvogada Eren Keskin, à direita, durante um protesto exigindo o reconhecimento do genocidio arménio. Foto de IHD.


A polícia também se deslocou às casas daqueles que legalmente estão à frente do jornal, destacando a figura de Eren Keskin, uma prestigiada advogada turca, vice-presidente da Associação dos Direitos Humanos (IHD) que recebeu vários prémios internacionais pela sua coragem na defesa mulheres que foram agredidas sexualmente, mesmo violadas em esquadras, quartéis ou prisões, por defender os direitos políticos e culturais dos curdos e por exigir o reconhecimento oficial do genocídio arménio.

O encerramento do jornal pró-curdo é parte de uma campanha mais vasta que também está a afetar o Partido Democrático dos Povos (HDP), o terceiro grupo parlamentar na Assembleia Nacional turca, cujos líderes foram presos às dezenas em várias cidades e cuja sede foi invadida pela polícia, ao abrigo do estado de emergência adotado depois do golpe.

Artigo publicado originalmente no Cuarto Poder a 17 de agosto de 2016. Tradução de Joana Campos para o esquerda.net.

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