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Tunísia entre a peste e a cólera

Nenhum candidato dos partidos do poder conseguiu passar à segunda volta das presidenciais. Os dois eleitos para a disputa são um professor de direito muito conservador e o dono de um canal de TV que foi preso dez dias antes do início da campanha.
Kaïs Saïed versus Nabil Karoui: Robocop versus Berlusconi
Kaïs Saïed versus Nabil Karoui: Robocop versus Berlusconi

Nenhum dos candidatos dos partidos do governo se qualificou para disputar o 2ª turno das eleições presidenciais na Tunísia. Os dois primeiros lugares são outsiders da política, que conseguiram canalizar um voto “antissistema” de um povo que está farto das políticas aplicadas desde 2011, políticas essas que trouxeram mais desemprego e mais desigualdade ao país. O outro sintoma desse descrédito é o aumento da abstenção: apenas 49% dos eleitores foram às urnas, muito menos que o comparecimento de 64% nas presidenciais de 2014.

Num quadro de uma enorme dispersão de candidaturas (nada menos que 26 candidatos se apresentaram), o primeiro lugar, com 18,4% dos votos, foi para o independente Kaïs Saïed, um professor de direito muito conservador, defensor da pena de morte, conhecido por ser frequentemente consultado na televisão sobre questões ligadas à sua especialidade, o direito constitucional.

Irá disputar com ele o segundo turno das eleições o empresário Nabil Karoui (15,58 % dos votos), dono do canal de televisão Nessma TV, que está preso desde o dia 23 de agosto, dez dias antes do início da campanha eleitoral, acusado de lavagem de dinheiro e de fraude fiscal.

O candidato do islamista e conservador partido Ennahda, um dos partidos do governo, o advogado Abdelfattah Mourou, só aparece em 3º lugar, com 12,8%, seguido do ex-ministro da Defesa Abdelkrim Zbidi (10,7%), que tinha o apoio dos partidos Nidaa Tounes (Apelo da Tunísia) e Afek Tounes (Horizontes da Tunísia), ambos partidos do governo. E em 5º lugar, com 7,38%, ficou o ex-primeiro-ministro Youssef Chahed, do recém-criado partido Tahya Tounes (Viva a Tunísia).

O resultado é que, como diz o site francês Mediapart, os eleitores “vão ter de escolher entre a peste a cólera”.

Robocop versus Berlusconi

De um lado, Kaïs Saïed, 61 anos, já chamado de “Robocop” pela forma monótona como fala, mas que impressiona pela elegância com que domina o árabe clássico. Conseguiu conquistar parte da juventude com a sua proposta de democracia direta, que inclui a possibilidade de demitir os eleitos que não cumpram as promessas. Mas defende a pena de morte, é contrário ao direito de herança igual para homens e mulheres, opõe-se aos direitos das mulheres e dos homossexuais.

Do outro, Nabil Karoui, 56 anos, uma espécie de Berlusconi tunisino, que está há dois anos em campanha usando o seu canal de TV e que fez da caridade a sua imagem de marca. A prisão, segundo analistas, foi a sua melhor campanha eleitoral, porque conseguiu espalhar a imagem de vítima perseguida por incomodar o sistema.

Para complicar ainda mais o panorama, a segunda volta das presidenciais ainda não tem data marcada mas terá de ocorrer apenas depois das eleições legislativas marcadas para 6 de outubro. As presidenciais deveriam ser, normalmente, depois das legislativas, mas foram antecipadas devido à morte do presidente Beji Caïd Essebsi, de 92 anos. Assim, seja quem for eleito presidente, terá pouca base parlamentar. Mas ainda resta saber como os ventos de mudança irão expressar-se nas eleições legislativas e que apoios ambos candidatos conquistarão.

Desde a aprovação da nova Constituição de 2014, a Tunísia é um semipresidencialismo, bastante semelhante ao português. O primeiro-ministro é escolhido pelo parlamento, forma um governo que pode ser demitido se for aprovada uma moção de censura. O primeiro-ministro é nomeado pelo presidente. Este é eleito por voto universal em dois turnos, e tem o poder condicionado de dissolver o Parlamento. É ele que promulga as leis e pode exercer o veto.

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