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Tribunal do Porto mantém agressor na mesma casa que mulher vítima de violência doméstica
Em novembro de 2021, o homem foi detido por violência doméstica. Perante as autoridades, proferiu várias ameaças de morte à esposa. A vítima de violência doméstica assumiu ser agredida há cerca de cinco décadas.
Para o Ministério Público, afigurava-se imperativo afastar o agressor da vítima, retirá-lo da residência e proibir o contacto: “Desde há cerca de 50 anos que a ofendida é vítima de violência doméstica por parte do arguido, que lhe dirige insultos, a difama e a força a ter relações sexuais”, alertava este organismo, citado pelo jornal Público.
Mas o tribunal de instrução considerou que impor a sua apresentação, três vezes por semana, às autoridades era suficiente para fazer cessar crimes continuados há meio século.
“Haverá contudo de atender à idade avançada do arguido, ao seu estado de saúde, à fragilidade que o mesmo aparenta e que o tribunal pode verificar in loco. Pelo exposto, somos de parecer que, por ora, atenta a situação de saúde do arguido, será suficiente, proporcional e adequado aplicar-lhe a medida de apresentações no posto policial da área da respetiva residência”, apontou o juiz de instrução.
O MP contestou a decisão: “A sua condição de saúde, associado ao consumo de bebidas alcoólicas, no caso vertente, assume-se, ao invés, como o factor ou contexto que tem potenciado e incrementado a conduta violenta reiterada que adopta para com a pessoa que lhe está mais próxima fisicamente e com quem tem proximidade”, lê-se no recurso.
O MP alertava ainda que face “a elevada gravidade objetiva do crime imputado ao arguido, a persistência criminosa do arguido mesmo perante agentes da autoridade, associado à agressividade e carácter intimidatório da conduta e as circunstâncias dos factos, não sendo de somenos salientar as consequência nefastas para a saúde da vítima particularmente vulnerável e normalidade da sua vida, importa sujeitar o mesmo a medidas de coação distintas e mais graves do que a aplicada para se obviar de forma eficaz adequada e proporcional ao perigo de continuação de atividade criminosa e exigências de proteção da vítima”.
Os juízes da Relação não foram sensíveis aos argumentos do MP: “Ao contrário do que ocorre com as vítimas de violência doméstica, a quem o Estado concede abrigo em casas para o efeito destinadas em situações de saída de casa, pelo ilícito em causa, o arguido não beneficia de nenhum apoio, o que pode por em causa uma medida de afastamento, quando não tem local para se afastar ou condições para o obter, sendo certo que nessas condições podem ser colocados em causa os direitos humanos fundamentais, que a todos são atribuídos”, alegaram os dois juízes.
“Nenhum dado nos é dado que permita concluir que o arguido pode ser afastado da sua habitação porque tem condições (pessoais, económicas, patrimoniais) para cumprir essa medida, sendo que sabemos que o filho mora longe e desconhece-se inclusive se permitiria ali a sua presença ou se tem condições para o efeito ou autoriza a instalação de meios de controle eletrónico”, reforçaram.
Acresce ainda que os desembargadores apontaram que a imputação quanto aos 50 anos que alegadamente durou a violência doméstica “além de genérica e não situada no tempo e local diz respeito a momentos temporais em que o ilícito em causa não existia no ordenamento jurídico ou os ilícitos em que eventualmente se desdobrariam tais condutas não constituíam crimes de natureza pública”.
“Há que ponderar a situação concreta do arguido (doente cancerígeno, ingestão de bebidas alcoólicas e o relacionamento sexual do casal ou a ausência deste por parte da esposa)”, defenderam.
Na decisão, é ainda referido que o facto de a mulher não querer manter relações sexuais com o marido releva da “diferente natureza do homem e da mulher em função da idade e da apetência para o ato, que em face duma ausência de conhecimento ou deficiente compreensão de tal fenómeno, leva a conflitos entre os casais e a eventuais acusações de infidelidade, como parece ser o caso, face ao nível cultural dos intervenientes”. E que “a situação de surdez do arguido, o que tudo o induz a um sentimento de menoridade (e quiçá de inutilidade, afetando a sua auto-estima”.
Destacando também o facto de a vítima estar disposta a continuar a cuidar do seu agressor, os juízes consideraram que “afigura-se-nos por isso não deverem ser aplicadas as medidas propostas, sendo suficiente para acautelar os perigos do ilícito em causa a medida de coação aplicada”.
“Se algo deveria ser alterado era a imposição de tratamento psicológico de modo a afastar o estigma da doença (cancro), da surdez e sentimento de inferioridade, ou controle de impulsos, a cargo a Segurança Social ou dos Serviços de Reinserção Social, de modo a ajudar o arguido e desse modo também a vítima, potenciando a possibilidade de criação de uma sã convivência”, remataram.
“Todos os crimes têm a sua circunstância. E a deste é machismo."
Na sua conta de Twitter, Joana Mortágua expressou a sua indignação face à decisão: “Todos os crimes têm a sua circunstância. E a deste é machismo. De que outra forma a ‘falta de sexo’ seria usada como atenuante da violência doméstica? Sobretudo quando a vítima fala em violação conjugal. Ser mulher anula direitos humanos? Tem de se sujeitar por ser idosa?”, escreve.
E acrescenta: “E como é que o Estado pode usar a condição económica de um arguido e seu estado de doente oncológico como justificação para obrigar uma mulher à convivência com o seu agressor?”.
Uma após outra, achamos que uma destas histórias será a última, a que tem o poder de mudar de tudo. E de todas as vezes surge outro caso, outra mulher vítima, outra justificação. Isto não vai parar, tem de ser travado. Por todas nós. Nem uma mais https://t.co/1waCuH9Dxs
— Joana Mortágua (@JoanaMortagua) April 6, 2022
Organizações como a UMAR - União de Mulheres Alternativa e Resposta também lamentam mais esta “sentença sexista”.
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