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Três dias de negociações levam a cortes no Fundo de Recuperação, mas ainda não há acordo

As negociações no Conselho Europeu, que começaram na sexta-feira e se previa que terminassem no sábado, prolongaram-se para domingo e continuam esta segunda feira. Impasse já levou a propostas de vários cortes. Holanda quer impor desregulação laboral aos países do Sul e ter poder de veto na atribuição dos fundos.
Cimeira europeia continua esta segunda-feira. Foto: European Council @
Cimeira europeia continua esta segunda-feira. Foto: European Council @

Antes do início da reunião do Conselho Europeu, onde os líderes de governo dos 27 Estados-Membros da União Europeia estão a negociar a resposta europeia à crise, Angela Merkel avisara que havia uma probabilidade real de não existir acordo entre todos. Três dias de negociações depois, percebe-se que a declaração estava longe de ser exagerada.

A reunião começou na passada sexta-feira e estava previsto que terminasse no sábado. A verdade é que as negociações entre os vários líderes se prolongaram até ao fim do dia de domingo, sendo que esta segunda-feira há nova reunião prevista. O que explica tanta dificuldade em alcançar um consenso?

A verdade é que, apesar de haver uma proposta em cima da mesa no início desta reunião – um Fundo de Recuperação de 750 mil milhões de euros (dos quais 500 mil milhões em subvenções e 250 mil milhões em empréstimos) e um Orçamento Plurianual para 2021-2027 ligeiramente reduzido face à proposta anterior do Conselho – esta nunca reuniu o acordo de todos. Os chamados “países frugais”, liderados pela Holanda, manifestaram forte oposição às subvenções, preferindo empréstimos. Além disso, defenderam desde o início que o acesso aos fundos europeus deveria estar dependente da aprovação no Conselho e ter associadas regras rígidas.

O problema é que estas regras, colocadas em cima da mesa pelo primeiro-ministro holandês, Mark Rutte, foram expressamente orientadas para a liberalização do mercado de trabalho e a reforma do sistema de pensões que permita uma maior participação dos grupos privados nos sistemas dos países do Sul. Estas condições reavivaram a memória dos programas de ajustamento da troika definidos após a última crise. O resultado desastroso da estratégia da austeridade seguida na altura explica a oposição de Espanha ou Itália a esta proposta.

A intransigência da Holanda, acompanhada pela Dinamarca, Áustria, Finlândia e Suécia, levou a cortes sucessivos nas várias propostas avançadas pelo presidente do Conselho, Charles Michel. Durante o fim-de-semana, foram sendo propostos cortes em diferentes programas europeus, de forma a tentar agradar aos países do Norte. Ao final do dia de ontem, a componente das subvenções fora significativamente reduzida dos 500 mil milhões de euros iniciais para 390 mil milhões. Sem surpresa, o líder austríaco, Sebastian Kurz, disse estar “bastante contente” com o resultado das negociações. No entanto, ainda não há acordo fechado e as negociações continuam durante esta segunda-feira.

“Arrogância e hipocrisia” da Holanda

No domingo, Mark Rutte voltou a insistir no tema das reformas: "Compreendemos que existem enormes problemas no sul [da Europa] e queremos ajudá-los também, mas queremos que o sul implemente as reformas necessárias”.

No entanto, houve quem notasse a contradição desta afirmação. No Twitter, o economista Paul de Grawe lembrou a “arrogância e hipocrisia” da Holanda, que exige reformas estruturais aos países do Sul enquanto opera como um autêntico paraíso fiscal dentro da UE, captando receita fiscal desses países. De acordo com a Tax Justice Network, todos os anos, a Holanda capta 1500 milhões de euros de receita fiscal da Itália, 1000 milhões de Espanha e 258 milhões de Portugal.
 

 

Em entrevista ao Esquerda.Net, o eurodeputado José Gusmão já apontara para este problema, lembrando que “os regimes de privilégio fiscal são regimes de subsídio público às grandes empresas”, promovendo a corrida para o fundo na tributação das grandes empresas e reduzindo as receitas dos Estados, com consequências no financiamento dos serviços públicos e das transferências sociais.

Por outro lado, a tentativa de impor medidas de desregulação aos países do Sul levou a economista Ann Pettifor a dizer que os chamados “quatro frugais” deviam antes ser apelidados de “quatro feudais”, dizendo que esta tentativa tem de ser combatida.

 

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