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Três lições sobre a crise na Europa

O Banco Central Europeu (BCE) acaba de dar a conhecer um estudo sobre a relação entre o défice na conta corrente e os custos salariais nos países da União Europeia. É uma análise que deita por terra todas as interpretações oficiais sobre a crise e as políticas aplicadas para a enfrentar, em especial as políticas de austeridade fiscal. Por Alejandro Nadal
A narrativa da direita para explicar a crise na Europa tem duas vertentes. Primeiro, considera que os governos foram irresponsáveis na despesa e por isso incorreram numa crise da dívida soberana. Segundo, insistem que os altos custos salariais nos países da periferia europeia provocaram a deterioração da sua competitividade e levaram a um défice insustentável na conta corrente. Supõe-se que isto provocou os desequilíbrios estruturais entre economias com superavit e países deficitários. Ambas as visões da crise estão equivocadas, mas a direita insiste em mantê-las como verdade absoluta e os meios de (des)informação repisaram tanto esta historieta que muita gente acabou por achar que algo tem de verdade.
Para a direita esta visão das coisas é útil porque governos e trabalhadores saem malvistos: os primeiros gastaram mais do que a conta, os segundos (através dos seus sindicatos) distorceram os salários no mercado laboral. Ambos, governos e trabalhadores, devem portanto suportar o ajuste derivado da crise. Daí deriva a ideia de que a austeridade e a desvalorização fiscal são as medidas justas e corretivas. Ambas as ações afundaram a Europa na pior crise da sua história.
Os dados não apoiam a ideia da irresponsabilidade fiscal: em 2007, o ano em que rebenta a crise nos Estados Unidos, as contas públicas dos membros da União Europeia mostram um bom panorama. O défice público agregado da UE era de 0,8 por cento do PIB (e 0,6 na zona euro). A maior parte dos países que depois sofreram de maneira mais forte a crise tinha um bom desempenho fiscal e tinham-se ajustado aos critérios do tratado de Maastricht e do Pacto de estabilidade e crescimento. Mas à medida que a crise afetou os sectores reais da economia as contas públicas começaram a deteriorar-se: o menor crescimento afetou os rendimentos fiscais e os planos de estímulo incrementaram a despesa. Para 2008 o défice público na UE e na zona euro passou a 2,3 e 1,9 por cento, respetivamente. Isto é, a deterioração fiscal é produto da crise, não a sua causa.
Aqui entra a segunda vertente na cosmogonia da direita sobre a crise: é a ideia de que trabalhadores e sindicatos distorceram os salários, provocaram perdas de produtividade e isso conduziu à crise nas contas externas dos países da periferia europeia. Segundo esta ideia os custos laborais na maior parte dos países da periferia europeia aumentaram muito mais do que na Alemanha e isso explicaria o défice na conta corrente daqueles países. O corolário de política económica que se tira deste diagnóstico é simples: há que impor restrições salariais.
Mas agora o Banco Central Europeu (BCE) acaba de dar a conhecer um estudo sobre a relação entre o défice na conta corrente e os custos salariais nos países da União Europeia. É uma análise que deita por terra todas as interpretações oficiais sobre a crise e as políticas aplicadas para a enfrentar, em especial as políticas de austeridade fiscal.
Utilizando técnicas estatísticas standard, o trabalho do BCE estabelece que para o período 1995-2012 as mudanças no saldo da conta corrente precederam as mudanças nos custos salariais unitários. Ao mesmo tempo, a análise demonstra que as mudanças nos custos laborais tiveram muito pouco efeito sobre as mudanças no saldo da conta corrente. A deterioração nas contas externas dos países da periferia não se deveu aos aumentos dos custos salariais. De modo que não é verdade que a deterioração nas contas externas se deva a que os sindicatos pressionaram irresponsavelmente e isso conduziu à perda de competitividade.
Este ponto é importante: já são 231 os países europeus que assinaram o pacto Euro Plus [tratado orçamental] que está baseado na ideia de que a deterioração da competitividade (por aumentos salariais) explica os desequilíbrios entre países com superavit e os que têm défice. O euro plus estabelece que os países signatários devem adotar medidas para melhorar a competitividade de custos. Demonstra-se, uma vez mais, que as bases neoliberais deste pacto não têm fundamento.
Os dados revelam que a crise não proveio de uma postura irresponsável em matéria fiscal, e também não foi provocada por aumentos salariais insustentáveis. Pelo contrário, um dos fatores mais importantes é o dos fluxos de capital: o estudo do BCE conclui que os fluxos de capital estão mais relacionados com a deterioração de competitividade. E isto não surpreende: no contexto de uma atividade bancária a que foram tiradas regulações, os créditos bancários e o boom imobiliário efetivamente geraram uma forte distorção salarial. A conclusão é que é necessário controlar os fluxos de capital, mas a direita prefere castigar os trabalhadores do que limitar a voracidade do capital financeiro.
Artigo de Alejandro Nadal, publicado no jornal mexicano La Jornada a 19 de março de 2014. Tradução de Carlos Santos para esquerda.net
1 Desde 1 de janeiro de 2014, são já 25 com a aprovação por Bulgária e Letónia. No total, os seguintes 25 países já aprovaram o Tratado Orçamental: Alemanha, Áustria, Bélgica, Bulgária, Chipre, Dinamarca, Eslováquia, Eslovénia, Espanha, Estónia, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Hungria, Irlanda, Itália, Letónia, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Polónia, Portugal, Roménia e Suécia.
Comments
Estamos a falar de défice na
Estamos a falar de défice na conta corrente - aquela que está a negativo e para a qual o empréstimo da troika mete o seu dinheiro para que o país não páre. Este défice significa que o estado gasta mais com a despesa dos serviços e salários públicos que o que aufere em impostos.
São os impostos que sustentam o estado. Só com uma economia forte é que é possível que os privados originem receitas que com a aplicação de impostos dá as receitas do estado. Se não chegam, como é o caso, tem de se cortar no estado. É simples e esta teoria não deita por terra coisa nenhuma. É nula.
OS nossos governos foram irresponsáveis sim. Continuaram a aumentar a estrutura e gastos do estado sabendo que não auferiam receitas para isso. Além disso os ordenados na função pública afectam os do privado. Se forem muito altos no público os trabalhadores não querem ir para o privado, que se vê obrigado a subir os ordenados para chegar aos recursos. Isto tira competitividade ao privado - e as empresas fecham e vão para outros países - enquanto que no público basta aumentar impostos que já se podem pagar.
Depois este "brilhante" economista diz que os dados não sustam o que se passa na realidade. Os dados dele efectivamente não porque misturam alhos com bogalhos. Sim houve crescimento na UE em termos globais, o que quer dizer que houve países que creceram o suficiente, para em termos globais, compensar o que outros não cresceram. Só isso. Não é por a UE ter crescido (e o mundo, já agora, porque o PIB mundial cresceu) que nós não estamos endividados ou crescemos. Não crescemos.
A deterioração fiscal é produto da crise, certo. Não causa. Certo. A causa é a economia não ser pujante o suficiente para gerar receita em impostos ao estado português (e aos outros estados endividados).
O estudo do BCE não deita por terra coisa nenhuma, confirma. O autor mente.
Este pacto não tem bases neoliberais sem fundamento nem princípios de esquerda (com a qual me identifico) nem de direita. Tem em linha de conta finanças básicas. Tal como a que fazemos ao gastar o nosso ordenado.
O autor do artigo passa depois a culpar o sector financeiro e diz que não é o endividamento nem as receitas públicas insuficientes para pagar as despesas. Claro. Eu ganho 100 por mês, gasto 130 e a culpa não é minha, é do bicho mau, do papão.
Este artigo enfraquece a luta de esquerda por ter erros graves, ser demagógico, sensacionalista e desonesto. Agradeço que o retirem deste nosso site.
Obrigado.
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