You are here
“Temos a certeza de que vamos perder dinheiro, mas interessa-nos outro tipo de riqueza”

A Flop é uma editora que funciona como um coletivo rejeitando qualquer tipo de hierarquias. Por essa razão, os seus responsáveis - Adriana Correia de Oliveira, Carolina Lapa, Luís Nobre, Rui Manuel Amaral e Tamina Sop - optaram por falar a uma só voz expressando opiniões a que todos se sentem vinculados.
As dificuldades que sabem ir enfrentar não lhes causam receios acabando antes por funcionar como o estímulo primordial para uma aposta na publicação de autores que estão fora dos cânones do mercado atual.
Por isso e sem reticências afirmam que "não andam atrás de best sellers, mas sim de best readers".
Quais as razões que estiveram na base do nascimento deste projeto editorial?
Colocar em prática ideias antigas: editar bons livros, criar um catálogo irrepreensível, partilhar bons autores e correr o risco de descobrir outros tantos.
Algum dos fundadores já teve ou tem experiência neste setor?
Todos. De maneiras e em áreas diferentes todos temos experiência editorial, mas move-nos o gosto pela literatura. Somos todos razoáveis leitores.
Há algum espaço que a Flop pretenda preencher?
A resposta poética é: o espaço livre.
De uma forma genérica, como é que definem a vossa filosofia editorial?
É o nosso micro-manifesto em duas linhas: a Flop propõe-se publicar apenas, e sem concessões, altíssima literatura; o que torna claro o nome e certo o colapso financeiro.
Acham que há lacunas em termos de publicação de autores por razões meramente comerciais ou outras?
O não aparecimento e o desaparecimento de alguns (muitos) autores e textos prende-se sobretudo com razões meramente comerciais; que continuadamente levam a outras lacunas e a constantes presenças.
Mediram os riscos de se lançarem numa área difícil num momento de crise?
Claro que sim. Temos a certeza de que vamos perder dinheiro. Mas o que nos interessa é outro tipo de riqueza.
O nome que escolheram é uma provocação ou uma jogada de marketing?
Claramente uma jogada de marketing. O nosso objectivo a médio prazo é o colapso financeiro e depois a nacionalização. Dito de outra forma; o nome Flop é mais que uma provocação, será uma constatação num futuro que tentaremos não esteja muito próximo.
Qual a vossa opinião para a concentração de editoras em dois em três grandes grupos?
É uma lógica financeira; potenciar os resultados económicos reduzindo os custos pela concentração e reduzir igualmente o número de vozes no mercado: menos interlocutores, menor dispersão. Note-se ainda que a concentração está também na distribuição e no consumo; cada vez menos diferença, cada vez menos escolha. Mas esta é uma lógica que não nos diz respeito.
A nossa presença no apregoado mercado editorial é e será sempre marginal; não queremos estar nos escaparates da moda; não andamos atrás de best sellers, procuramos best readers.
Mais importante do que o índice de leitura é o índice de qualidade de leitura. Importa, mais do que ler muito, começar a ler bem
Em Portugal editam-se e vendem-se mais livros mas continuamos a ter um dos mais baixos índices de leitura da Europa. Na vossa opinião, quais as razões que estão por detrás desta realidade?
Mais importante do que o índice de leitura é o índice de qualidade de leitura. Importa, mais do que ler muito, começar a ler bem.
Pretendem ser apenas uma editora virtual ou ter também um espaço físico?
Somos uma editora de facto, vamos publicar agora o nosso primeiro livro.
Não somos uma livraria. Os nossos livros estarão presentes nos espaços físicos de livrarias de que gostamos e nas mãos de livreiros da nossa confiança e que em nós confiam.
Dizem que pretendem “publicar apenas, altíssima literatura”. Não é um risco?
A história prova que a altíssima literatura nunca alimentou alarvemente ninguém; já outras propostas editoriais têm dado valentes barrigadas a outras tantas instituições do mercado.
O que entendem por “altíssima literatura”?
Exactamente o contrário de baixíssima literatura. Excluímos também a média literatura.
Perante aquilo que disseram, pode concluir-se que anteciparam já o colapso financeiro e querem apenas adiá-lo?
Não somos fatalistas mas encarar o inevitável faz de nós uma espécie de pessimistas amadores...leia-se: amador –lato sensu.
Porquê a escolha de “Três horas esquerdas”, de Daniil Kharms (1905-1942) (1) para primeiro livro?
Trata-se de recuperar a magnífica tradução do Júlio Henriques, que foi editada num volume artesanal, pela companhia Marionet, em 2001, e que serviu de base à peça “Três horas esquerdas”. Essa edição teve uma circulação muito limitada e é quase inacessível aos leitores do Kharms. No final de fevereiro de 2017, o Nuno Pinto, actor que esteve envolvido na produção de 2001, vai ler estes mesmos contos na Sede, no Porto, e achamos que é mais um bom pretexto para editar o livro.
Já pensaram noutros autores?
Temos, claro está, uma lista de autores e de textos que queremos publicar.
Podemos saber alguns dos autores que pretendem a editar?
O nosso trabalho depende de muitas outras pessoas e de grandes cumplicidades; há textos e autores muito urgentes, mas não temos pressa. Em breve haverá mais novidades.

_______________________________
(1)-Danill Karms foi um dos fundadores da OBERIU (Associação para um arte real), com secções de teatro, prosa, poesia e cinema, ao lado de outros artistas de Leningrado (atual São Petersburgo). A OBERIU nasceu em 1928 e durou cerca de três anos, uma vez que os seus membros, devido às práticas totalitárias de Estaline, começaram a ser detidos. Kharms foi preso pela primeira vez em 1931, acusado de desvirtuar as crianças na construção dos ideais comunistas. Esteve ainda exiliado em Kursk, tendo regressado a Leningrado em 1932. O escritor enfrentou sérias dificuldades de sobrevivência e chegou a mesmo a passar fome. Em 1941 foi preso e levado para uma cela pisquiátrica. Morreu presumivelmente de fome um ano depois. (Informações retiradas da Wikipédia).
Add new comment