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SVB e Credit Suisse: fenómeno isolado ou sintoma da mudança do ciclo?

As crises, tal como os ladrões, surgem quando menos se espera. Como podemos interpretar o que aconteceu esta semana nos EUA e na Suíça? Por Daniel Albarracín.
Foto Aplpha Photo/Flickr

A crise no SVB, Signature Bank e Credit Suisse - uma crise de gestão ou de liquidez?

As crises, tal como os ladrões, surgem quando menos se espera: esta semana houve uma série de crises bancárias nos EUA e na Suíça e uma queda acentuada nos mercados bolsistas, que pelos vistos causaram alguma confusão. Como podemos interpretar o que aconteceu?

Poderíamos pensar que são crises particulares de instituições específicas e recorrer ao seu modo de funcionamento ou à sua gestão.

O Silicon Valley Bank (SVB), um banco de média dimensão, o 16º maior dos EUA, abastecia-se de depósitos de start-ups, empresas tecnológicas, que eram financiadas por capital de risco. Deixavam o seu capital para as suas operações correntes com o SVB. O SVB utilizou estes fundos para comprar obrigações nos mercados. Tudo funcionava bem quando havia recuperação e regras financeiras laxistas, e os negócios do SVB corriam sobre rodas.

Diz-se que, de repente, houve uma crise de liquidez. Mas isso não explica o que aconteceu. Depressa um aumento das taxas de juro e uma projeção de negócios mais baixa colocaram as empresas em dificuldades. Ao mesmo tempo, a SVB precisava de reforçar o seu capital, porque os seus clientes começavam a exigir uma parte das poupanças depositadas nas suas contas. Para reforçar o seu capital, o SVB vendeu as obrigações (21 mil milhões de dólares), para poder responder e ter liquidez, e aumentou o seu capital em 2 mil milhões de dólares. Mas a venda das obrigações causou uma perda de 1,8 mil milhões de dólares, e o aumento de capital levou a que o valor das ações na bolsa se deteriorasse em 75%. Isto causou uma perda de confiança dos clientes. A fuga de depósitos, 42 mil milhões de dólares num dia, afundou a viabilidade do banco. Estas são as consequências de operar com tão baixos níveis de capitalização. Esse capital foi para os grandes bancos, compra de dívida pública, ouro e bitcoins. Em suma, não estamos perante uma crise de liquidez, mas sim uma crise de solvência e credibilidade.

Será esta crise um problema só de alguns bancos em particular?
Não, este comportamento é muito mais generalizado do que parece, e não está preparado para a mudança brusca da política monetária desde Julho de 2002, e ainda menos para o final do ciclo, que todos os analistas já estavam a prever, embora em Espanha esteja a ser sistematicamente ignorado. O impacto em Espanha pode não ser tão grave como uma recessão noutros países, mas qualquer economista atento aqui sabe que estamos pelo menos a entrar na estagnação.

A crise do SVB foi seguida do colapso de outros bancos, tais como o Signature Bank, um pequeno banco (29º nos EUA) ligado ao mercado de criptomoedas. Este não é um caso isolado.

Dizem que os bandos de aves movimentam-se surpreendentemente em sincronia com movimentos harmoniosos. Pura aparência de um fenómeno emergente que esconde como os afetam ao mesmo tempo as mesmas correntes de ar, às quais respondem em simultâneo. O contágio não é a palavra apropriada para esta crise, mas as mesmas correntes de pressão afetam estruturalmente de forma parecida, e afetam mais os mais fracos. Talvez primeiro as entidades mais pequenas ou regionais, mas exercendo igual força sobre as outras.

O relaxamento das regras bancárias, a política monetária restritiva e a crise de sobreprodução, que acumularam um excesso de capital fictício, ou seja, sem suporte em atividades rentáveis, e a presença de muitas empresas zombies, representam as bases para uma crise financeira, de rentabilidade e de investimento, periódicas mas singulares devido às contradições somadas umas às outras.

Crise, de que dimensão?

É difícil de determinar, mas isto só agora começou. Em seguida, o caso de um banco "demasiado grande para ignorar" como o Credit Suisse também aponta para uma crise financeira resultante da estagnação e do aumento das taxas de juro.

Algumas autoridades oficiais dizem que a banca da zona euro está mais controlada e melhor capitalizada. Obviamente que está e nem podia ser de outra forma, mas também se diga que não é caso para mandar foguetes. O processo de resgate dos bancos e a enorme concentração bancária induzida pelas políticas públicas europeias, do BCE e dos estados membros fez o sistema bancário oligopolista europeu recuperar alguma solvência desde a crise de 2008. Sabemo-lo bem, à custa das políticas sociais e do mundo do trabalho. Mas esta recuperação está muito longe de exorcizar o persistente risco financeiro de um sistema assente em grandes proporções de capital fictício não apoiado por uma atividade económica sólida.

As consequências desta crise bancária?

Poder-se-ia pensar que a intensidade das subidas de taxas diminuiria, mas Christine Lagarde seguiu o roteiro rígido previsto anteriormente, na esteira de Jerome Powell com o Fed (4%). Temos 3,5% de taxas de juro no BCE, e parece que o compensa com apoio financeiro à banca. Não ao investimento público ou ao emprego, mas à banca! Possivelmente, os gurus do neo-liberalismo pragmático atingirão um ponto em que não continuarão a aumentar as taxas, mas hoje em dia continuam no seu fanatismo contra a inflação, matando o cão para o curar da raiva.

Na Suíça, o Banco Nacional Suíço vai socorrer o Credit Suisse. Na UE, Lagarde promete mais apoio financeiro do BCE, que continuará a alimentar o sistema financeiro privado, ao mesmo tempo que precipita uma recessão. Mais uma vez, socialização dos prejuízos, lucros privados.

Nos EUA, Biden diz que os contribuintes não vão pagar a fatura. E que os depositantes do SVB e do Signature serão protegidos no que for preciso. Não sabemos se farão o mesmo se falirem também o First Republic Bank, Wester Allianz ou Pact West Bancorp, que são bancos pequenos ou regionais com grandes perdas na bolsa de valores.

Biden afirma que deixará cair os acionistas do SVB ou os do Signature, pois é assim que o capitalismo funciona. Que o Fundo de Garantia de Depósitos (Federal Deposit Insurance Corporation), a Reserva Federal e o Tesouro irão cobrir depósitos superiores a $250.000. Isso significa cobrir mais de 95% do montante de depósitos. Vão cobrir empresas tecnológicas, em dificuldades ou em boa situação, por igual, vão cobrir os fundos de capital de risco que as financiam. Grande capital de risco que funciona sem risco! Afirma que isto não será pago pelo contribuinte, o que levanta muitas dúvidas. Será que este fundo tem capacidade e fundos unicamente privados para cobrir todo este capital? Não acreditamos.

Tal como o Banco Nacional Suíço com o caso do Credit Suisse com um novo resgate de 50 mil milhões, ou o BCE recupera a política de injetar liquidez, ou persiste numa política em que a banca não tem de conceder empréstimos, mas simplesmente levar os seus depósitos ao BCE para receber as elevadas taxas aplicadas, com as perdas a ser socializadas. Os poderes públicos são o primo do Zumosol [1] dos bancos.

Estamos num momento de mudança no ciclo industrial, que arrasta do passado problemas acumulados por resolver, tornando o sistema frágil face a crises financeiras. Isto leva a um processo de maior concentração de capital e provável recessão.

Pode também destruir capital, algo que, paradoxalmente, juntamente com a queda dos salários reais e a possível destruição de empregos, poderia contribuir para uma recuperação parcial da taxa de lucro. Embora duvidemos que, com esta política financeira, faça com que a taxa de lucro que importa, a efetiva, que subtrai os custos financeiros às taxas de rentabilidade, se possa evitar uma nova recessão.

Em suma, não se trata de uma crise isolada de gestão nem de liquidez, mas sim de um sintoma de uma crise mais profunda. Uma crise de rentabilidade e investimento que, num ambiente inundado de capital fictício e endividamento, mostra os primeiros sinais de uma nova crise financeira, possivelmente com um alcance desigual. O período de fraca recuperação, iniciado em 2014, e brevemente interrompido pela pandemia, está a chegar ao fim.

Em jogo está o que vai acontecer ao mundo do trabalho e que tipo de política económica é seguida, e no interesse de quem: os da vida, da ecologia e da classe trabalhadora, ou, mais uma vez, os do capital.


Daniel Albarracín é sociólogo e economista. É membro do Conselho Consultivo de Viento Sur e da Comissão de Economia Política de Anticapitalistas. Artigo publicado em Viento Sur. Traduzido por Luís Branco para o Esquerda.net,

Nota:

[1] NT: Referência ao famoso anúncio televisivo espanhol do início dos anos 1990 a uma marca de sumos, em que uma criança alvo de bullying ameaça chamar o seu "primo do Zumosol", um jovem musculado que surge a protegê-lo enquanto bebe o sumo daquela marca.

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