A caminho dos 50 anos do 25 de Abril, outra exposição comemorativa. Da responsabilidade da Ephemera e com recurso a materiais do Arquivo Ephemera, o único problema com esta exposição é encerrar a 27 de Abril. Sob o título PROIBIDO POR INCONVENIENTE, estende-se por 10 núcleos, prende a atenção do primeiro ao último com o mesmo entusiasmo. Até pode ter pontos fracos mas sobre um conteúdo substancial, seleccionado e exposto criteriosamente, dissipa-se qualquer veleidade crítica.
Não é uma exposição difícil, a preocupação pedagógica é evidente e ainda bem. Com um itinerário rico em textos, ao fim de uma hora, hora e meia, a perplexidade toma conta do visitante. Afinal o Portugal pré 25 de Abril era corrupto, escondia crimes de pedofilia, violência de género, roubos, costumes perversos. Escusado pôr o regime de direita no altar, com a intervenção dos vários organismos encarregados pela censura de papéis, jornais, músicas, filmes e livros, agora amplamente escancarada, demonstra-se que o regime não era virtuoso e que não serve de exemplo à democracia. Suspirar pelo antigo regime, já percebemos do que se fala.
Sabíamos todos que a censura existia e era um forte sustentáculo do regime. Talvez desconhecêssemos a variedade de organismos que executavam a censura – a Comissão de Censura nas seus múltiplos estádios, a polícia política, ministérios, a Igreja Católica - e que a censura cobria livros, jornais, folhetos, cartazes, telegramas, chamadas telefónicas, filmes, ilustrações, peças de teatro ou outros espectáculos. Autores, editores, impressores, promotores do espectáculo, todos sujeitos ao mesmo escrutínio. Toda a atenção sobre a mensagem.
Os 10 painéis revelam isto mesmo, como a censura se instalou e cobriu todos os cantos do país, como instaurava o silêncio, como defendia o pensamento único e alinhado pelo regime, como a censura tentava ser imperceptível. Como, finalmente, se resistiu. A exposição não mostra apenas os cortes, o lápis azul, mostra os pareceres que levavam à censura e são estes que são verdadeiramente chocantes. As observações medíocres, autoritárias, tementes a uma cartilha oficial que foram impondo a mordaça e tentaram silenciar as vozes críticas e discordantes.
Entre os livros expostos reconheci alguns que tenho em casa e para dizer a verdade, já nem me lembrava das circunstâncias da sua aquisição. Ou seja, naqueles anos 60-70, comprei-os no espaço de tempo desde que o livreiro os adquiriu e a visita da polícia política. Títulos completamente inocentes, os riscos que todos corríamos, o privilégio que era conseguir um daqueles livros que a seguir passavam de mão-em-mão. Milhares de outros portugueses fizeram a mesma coisa, um desafio permanente à máquina infernal que nos moía.
Senti a falta de um painel introdutório, nem percebo porque não foi feito uma vez que o texto do guião, todo ou em parte, servia muito bem. Do painel introdutório podia passar-se a um plano da exposição, faz falta. Os expositores foram uma solução boa e económica, a ideia das gavetas com o “Boletim de Registo e Justificação de Cortes” é brilhante para um instrumento censório também ele, a seu modo, brilhante pela história que nos conta ou permite reconstituir. Os censores e as autoridades imaginaram mesmo que o poder era deles para sempre! Ironicamente com este “Boletim” estavam a organizar o futuro, o trabalho de recolha e interpretação de investigadores próximos. Tanto documento, tanta informação para a história do regime! Tudo ali, claro como água, não imaginava, nunca ouvira referência a este “Boletim”.
Alguns materiais não poderão ser transportados em defesa da sua própria integridade, mas a digitalização pode ser uma solução e, assim, preparados, a PROIBIDO POR INCONVENIENTE devia seguir para escolas e bibliotecas municipais por esse país fora. Nem é muito grande, nem tem materiais de grandes dimensões, uma oportunidade a não perder.
Pelo material reunido em PROIBIDO POR INCONVENIENTE, pelo reavivar das nossas memórias que nem sempre valorizamos, pelo acordar daquilo que nos une, aconselho vivamente uma visita, indispensável.