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Retrospetiva de Sarah Maldoror no IndieLisboa

A cineasta ativista, pioneira do cinema africano e realizadora de obras centrais do anticolonialismo, faleceu em 2020 vítima de covid. É lembrada na Cinemateca Portuguesa na 18ª edição do Indie numa retrospetiva que começa esta quarta-feira.
Sarah Maldoror. Foto (recortada) de Karim Amar, AC-Press.com, Flickr.

Sarah Maldoror é autora de uma vasta obra multifacetada. Pôs a nu a violência do sistema colonial português nos seus filmes iniciais, realizou filmes sobre vários artistas, reportagens e ficções para a televisão, trabalhando em temas como o racismo, o papel das mulheres nas lutas de libertação e as questões de género.

Realizadora que deu voz àqueles que não a tinham, Sarah Maldoror nasceu em França em 1929 e escolheu o seu nome artístico inspirada pelo livro “Les Chants de Maldoror”, do poeta surrealista Lautréamont.

Cofundou, antes de se dedicar ao cinema, a companhia de teatro “Les Griots”, em Paris, a primeira companhia teatral cujo elenco era composto exclusivamente por pessoas racializadas, africanas e afro-caribenhas. O seu objetivo era “por fim aos papéis de serva” e “tornar conhecidos artistas e escritores negros”, como citam as filhas Annouchka e Henda de Andrade na nota que publicaram aquando da morte de Sarah Maldoror.

Para Annouchka e Henda de Andrade, “Sarah Maldoror dedicou a acuidade do seu olhar ao serviço da luta contra as intolerâncias e as estigmatizações de todo o tipo”. Sempre com uma “poética política que desfaz configurações culturais cristalizadas em prol de uma liberdade de inspiração surrealista”, como descreve Joana Ascensão, realizadora e programadora da Cinemateca Portuguesa, no programa do Festival Internacional de Cinema Independente IndieLisboa.

Descolonizar o pensamento através do cinema

Encorajada pelo artista Chris Marker (com quem colaborou nas rodagens de “Sans Soleil”, em 1983), foi estudar cinema em Moscovo, onde conheceu Ousmane Sembène (histórico realizador senegalês, homenageado na edição anterior do Indie). Foi assistente de realização no filme “A Batalha de Argel” (1966), de Gillo Pontecorvo, filme fundamental do cinema anticolonial e vencedor do Leão de Ouro no mesmo ano.

A sua primeira obra, “Monangambée” (1968), passada em Angola, é baseada no conto “O Fato Completo de Lucas Matesso” de Luandino Vieira, que estava na altura preso no Tarrafal, e denuncia os crimes cometidos por portugueses em Angola. Ao som jazz do Art Ensemble de Chicago e filmado em apenas três semanas em Argel e Brazzaville, essencialmente com atores amadores militantes do MPLA, mostra a tortura dos prisioneiros políticos, a ignorância e incompreensão dos colonizadores.

O filme foi selecionado para a Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes em 1971 em representação de Angola, e para a primeira edição do Fórum do Festival de Berlim. O argumento tem a co-autoria de Mário Pinto de Andrade, poeta, fundador e então Secretário-Geral do MPLA e que foi o companheiro de Maldoror, com quem colaborou na escrita de vários guiões.

“Sambizanga” (1972) é o seu filme mais conhecido, também é baseado num conto de Luandino Viera, “A vida verdadeira de Domingos Xavier”. Tem como tema a guerra de libertação de Angola e segue o percurso político de uma mulher que procura o marido, um revolucionário preso e torturado por militares portugueses na prisão de Sambizanga.

Considerado um dos mais importantes filmes sobre a resistência africana, foi o escolhido para iniciar o ciclo dedicado à realizadora. O cinema de Sarah Maldoror “situava-se na emergência de um cinema do Terceiro Mundo procurando descolonizar o pensamento para favorecer as mudanças radicais na sociedade”, explicam Annouchka e Henda de Andrade na nota já citada.

Filmes desaparecidos e documentários

Antes de “Sambizanga”, em 1970, Maldoror recebe uma encomenda do governo argelino: fazer um filme sobre uma guerrilheira do PAIGC. O filme, “Des fusils pour Banta”, foi rodado na Guiné-Bissau, mas é dado como perdido: os materiais foram confiscados e a realizadora expulsa do país.

Apenas voltou a realizar uma longa em 1985, com “Le Passager du Tassili”. Na sua carreira, alternou documentários com curtas metragens. Fez vários retratos de artistas, como Aimé Césaire, um dos impulsionadores do movimento da Negritude e cuja figura atravessou toda a obra de Maldoror. O seu último filme data de 2009, e é sobre a pintora colombiana Ana Mercedes Hoyos.

A primeira sessão desta retrospetiva tem lugar a 1 de setembro às 19h na Cinemateca Portuguesa. A programação completa do ciclo, composto quase exclusivamente por estreias nacionais, pode ser consultada no site de festival. No dia 3 de setembro irá decorrer uma mesa redonda sobre “O cinema de Sarah Maldoror”, com a presença, entre outras pessoas, de Annouchka de Andrade, diretora do Festival de Amiens, uma das filhas da realizadora e responsável pela gestão da sua obra.

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