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Restos mortais de Lumumba devolvidos ao Congo 61 anos depois

O herói da luta pela independência e primeiro-ministro congolês foi deposto por um golpe de Estado e depois assassinado. O seu corpo foi dissolvido em ácido mas um chefe de polícia belga guardou um “troféu”. A família exige que se continuem as investigações para se determinar o papel de vários países ocidentais no crime.
Patrice Lumumba.
Patrice Lumumba.

Patrice Lumumba, primeiro-ministro do Congo, foi torturado e assassinado em 1961 com o apoio reconhecido de polícias belgas. O seu corpo foi desmembrado e dissolvido em ácido. Ao que se sabe, apenas restou um dente, guardado por um chefe de polícia belga como “troféu” do crime. Foi este dente que foi restituído, 61 anos depois, à sua família pelo procurador federal belga, Frédéric Van Leeuw.

Depois da sessão “íntima e privada”, numa cerimónia oficial, o primeiro-ministro belga Alexander De Croo voltou a pedir “desculpas” pela “responsabilidade moral do governo belga”, na presença do seu homólogo congolês. E sublinhou que no ano 2000 uma comissão de inquérito do parlamento belga concluiu ainda que para além das responsabilidades morais no crime, vários governos belgas foram cúmplices na divulgação de mentiras sobre o que aconteceu.

Contudo, este reconhecimento limita-se ao facto de as autoridades belgas terem organizado a transferência do anti-colonialista para Katanga, onde foi assassinado. Aquele governante insiste assim que não há provas que responsáveis belgas tenham mandado assassinar Lumumba. Apesar destas garantias, em Bruxelas decorre ainda um inquérito judicial por “crime de guerra” na sequência da queixa do seu filho, François Lumumba, em 2011, contra uma dezena de funcionários e diplomatas belgas.

No próximo dia 30, no aniversário da independência, uma urna com estes restos mortais será depositada num memorial e far-se-á luto nacional.

“Lumumba era amado pelo povo"

O Congo tornou-se independente em 30 de junho de 1960. O lutador anti-colonialista Patrice Lumumba foi o seu primeiro primeiro-ministro mas foi deposto em setembro por um golpe liderado pelo infame Mobutu. Seria assassinado a 17 de janeiro do ano seguinte com 35 anos. Depois de preso, tinha sido entregue a militares do Katanga, a rica região mineira que foi tomada por uma força separatista apoiada pelo colonizador belga.

Um dos seus “crimes” foi, apesar de o seu governo não poder ser considerado comunista, ter recorrido ao apoio soviético numa tentativa de travar os separatistas. Por isso, as autoridades norte-americanas sempre foram consideradas suspeitas. Até porque não é segredo que o tinham tentado “eliminar” antes. Um livro de Madeleine G. Kalb sobre os telegramas norte-americanos do Congo mostrava nos anos 1980 como a CIA tinha tentado envenenar Lumumba já depois dele ter sido destituído do poder.

O outro “crime” foi ter sido insubmisso face ao ex-colonizador. Ficou célebre a forma como respondeu, na cerimónia de transição do poder colonial ao rei Balduíno I que usou todo o seu paternalismo para gabar a “grande obra” “civilizadora” belga no Congo e para instar o novo país a “não substituir os organismos que a Bélgica deixou, antes de estarem certos de poder fazer melhor”. Sobre a brutalidade do poder colonial, nem uma palavra. Mas do que o rei belga não falou, falou o primeiro-ministro do novo país, não poupando críticas à violência e à “escravatura humilhante que nos foi imposta pela força”. Não falta quem diga que nesse momento ficou selado o seu destino.

A participação da polícia belga neste crime foi encoberta durante muito tempo. Uma investigação de Ludo De Witte no início dos anos 2000 abalou o país porque desfez a versão oficial belga de que apenas teria acontecido um ajuste de contas entre grupos congoleses rivais. O sociólogo defendia que “os belgas intervieram no curso dos acontecimentos” numa operação que pretendia manter o país africano sob influência da esfera ocidental. Para ele, “Lumumba era amado pelo povo. Os seus apoiantes queriam libertá-lo. E isso teria sido um desastre para a Bélgica e os EUA. Por isso, decidiram matá-lo no dia em que chegou a Katanga. Foi executado por um esquadrão organizado por oficiais belgas.”

Família de Lumumba continua a exigir justiça.

Nesta altura também, o ex-comissário de polícia Gérard Soete le Brugeois, que estava destacado para montar uma “polícia nacional katanguesa”, confessou publicamente num documentário o seu envolvimento, disse que ajudou a dissolver o corpo de Lumumba em ácido e que guardou um dente “como uma espécie de troféu de caça”. A história do dente volta à imprensa em 2016, quando a sua filha reconhece em entrevista à revista belga Humo que este continuava em posse da família. Mais tarde as autoridades belgas acabam por intervir.

A família de Lumumba continua a exigir justiça. À BBC o seu filho François insiste que é preciso “conhecer a verdade, nada mais do que a verdade”. Quando questionado se a entrega dos restos mortais do pai fecha um ciclo, responde que “ainda testamos no começo do processo. O objetivo é saber em que condições Patrice Lumumba foi assassinado e qual o papel de certos países ocidentais.”

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