Resistência anti-Trump irá falhar se não rejeitarmos os Democratas do sistema

06 de February 2017 - 12:20

Não podemos vencer se estivermos presos a gerações de dirigentes impopulares do Partido Democrata. Artigo de Bhaskar Sunkara.

PARTILHAR
Foto EPA/MIKE NELSON.

Se alguma coisa a última semana nos mostrou é que Donald Trump tem poder, mas que ainda não tem propriamente um mandato.

Precisamos de manter isto assim e estar cientes da má liderança e estratégia política que podem ajudá-lo a construir uma. A eleição de novembro é uma poderosa lembrança de que a política de Clinton, que consiste numa mistura de retórica socialmente inclusiva e economia neoliberal, é uma fraca resposta ao populismo xenófobo.

Um movimento de resistência anti-Trump tem de ser amplo, mas tem de dirigir a sua raiva e energia não apenas para o inimigo na Casa Branca, mas para a falhada liderança que o deixou lá chegar. O movimento do Tea Party não podia ter emergido com Bob Dole nem com George W Bush entre os seus líderes. Também não podemos construir a nossa resistência anti-Trump firmados em gerações de líderes impopulares do Partido Democrata.

A alternativa tem de vir de baixo – e certamente protestos como a Marcha das Mulheres são começos inspiradores. Milhões marcharam, dos quais muitos nunca antes tinham participado num protesto político. Foi, assim se espera, um sinal de coisas que estão para acontecer. Contudo, é fundamental que saibamos o que este amplo movimento quer e contra o que é que está.

Durante anos, eu e outras pessoas colocámos uma divisória no Partido Democrata que, aparentemente, só existia teoricamente: um fosso entre as reivindicações sociais-democratas na base do partido e o neoliberalismo tecnocrático no topo. A campanha de Sanders tornou essa divisão mais real e tangível – fomentou uma feroz oposição ao Clintonismo entre milhões de pessoas, muitas delas politizadas pela primeira vez e, sobretudo, apresentou uma política alternativa.

Agora, toda uma geração de Democratas adeptos de Sanders está envolvida num processo que produz criativamente divisões e polarizações dentro do partido que complementa a organização que está a acontecer fora dele.

Estão a surgir amplos esboços de uma política de esquerda alternativa na era de Trump. Socialistas e outros estão a fazer o seu papel construindo movimentos sociais organizados em torno de exigências reais e intransigentes para coisas como ensino superior público gratuito e um sistema de saúde dignificado para expandir a base para políticas progressistas, enquanto utilizam as eleições locais (nas primárias democráticas e como independentes) para espalhar largamente a sua mensagem.

Mas embora ele esteja agora aparentemente perturbado, temos de estar muito conscientes das formas como o apoio de Trump pode facilmente ser reforçado.

Devemos estar muito receosos quando Sean McGarvey, o presidente do grupo chapéu de chuva da Building Trades Unions, diz da reunião que teve a semana passada com Trump ter sido a melhor da sua vida. A nossa resposta no movimento dos trabalhadores deve ser apoiar lutas das bases contra líderes propensos a conciliação mesmo em escassas concessões. Temos de exigir a mesma responsabilização das organizações liberais e do Partido Democrata.

Não há dúvida que esta postura irá colocar esquerdistas e liberais em confronto directo com os Democratas do sistema e seus variados apoiantes.

Há todas as razões para acreditar que, se confrontada, esta casta pode ser dominada. Estamos numa chocante nova era política. Só nos últimos meses, milhares de pessoas juntaram-se a organizações de esquerda como os Socialistas Democráticos da América e outros milhões tentam tornar-se ativos politicamente a nível local.

Mas temos visto repetidamente – o movimento anti-guerra dos anos 2000 sendo apenas o exemplo mais recente – o que acontece quando as pessoas subordinam todas as outras prioridades políticas a lutar contra o inimigo número 1.

Trump é mau e precisa que se lhe resista, todos sabemos isso. Mas a esquerda de Sanders e os seus aliados são a única força nos EUA que têm as ideias que podem ganhar uma maioria imediata neste país: um movimento de classe por empregos e por justiça. Essa visão tem de triunfar não apenas sobre Trump, mas sobre a liderança Democrata.

Porque, francamente, pode ser a última esperança para a política democrática neste país. Agora mais do que nunca precisamos de algo por que lutar e não apenas algo contra que lutar.

Terça-feira, 31 de Janeiro de 2017

Artigo publicado no The Guardian.

Tradução de Almerinda Bento para o Esquerda.net.