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Reportagem: Sem abrigo no Porto

Reportagem sobre o Grupo Voluntário Saber Compreender, que há um ano trabalha com a população sem abrigo nas ruas do Porto de forma diferente dos restantes grupos de voluntários.
Cristian Georgescu numa ronda da Saber Compreender.
Cristian Georgescu numa ronda da Saber Compreender, foto de Octávio Passos/Lusa.

Esta reportagem está incluída no oitavo programa Mais Esquerda, que pode ser visto aqui (a versão completa aqui). Em baixo, pode ler e ver a reportagem na íntegra.

Na cidade do Porto há dezenas de grupos de voluntários a trabalhar com a população sem abrigo, mas Dora, Cristian e Miguel partilhavam o sonho de criar um grupo diferente. A 1 de novembro de 2015 saíram pela primeira vez, enquanto recém criada o Grupo Voluntário Saber Compreender, para fazer uma ronda pelas ruas da cidade e desde então continuam a fazê-lo de forma diferente dos restantes grupos.

"É diferente essencialmente porque nos consideramos ativistas sociais, ou seja, fazemos, e quando alguma coisa não está bem, ou quando as coisas não são como nós achamos que deveriam ser, agimos enquanto agentes de ativismo que somos, reivindicamos", explica Dora Matos.

Cristian Georgescu acrescenta "há muitas equipas de voluntários que, quando chegam ao pé de um sem abrigo, chegam ao pé de uma pessoa que está a sofrer, que está numa daquelas situações piores da vida, solidão, que muitos sofrem de solidão, e choram. Choram ao lado deles, fazem a pessoa sentir-se pior. Nós não. Nós quando chegamos, tudo bem, alguém que quer falar sobre a vida dele, a tristeza dele, fala só dois minutos. Comigo não resistem a falar mais de dois minutos sobre as coisas piores da vida. Acho que nós temos de ir buscar aquela pessoa o sorriso que ele já não dá há muito tempo".

No seu dia a dia, deparam-se com dificuldades trazidas pela burocracia do sistema.

"Muitas vezes as coisas não são tão fáceis como nós pensamos que são, há muita burocracia. Por muitas voltas que tentemos dar, as coisas nem sempre correm bem, mas a gente tenta sempre que as coisas corram pelo melhor, daí fazermos parte da rede NPISA, o que também facilita que as coisas corram melhor, porque é um trabalho em rede, facilita que os resultados sejam muito mais eficientes, que é o mais importante", afirma Dora.

O trabalho da Saber Compreender distingue-se das restantes associações pelo acompanhamento que fazem às pessoas, depois do momento de sinalização das pessoas à Segurança Social.

Dora diz que "o nosso trabalho ajuda na reintegração. Porque eles quando vão para um quarto, acabam por estar sozinhos, na rua eles acabam por estar mais acompanhados. Nesse momento em que eles se sentem sozinhos, nós vamos lá, estamos com eles, acompanhamo-los ao centro de saúde, ao médico, etc".

A Saber Compreender opõe-se à forma como as associações de cariz caritativo tratam as pessoas sem abrigo ou em situação de sem abrigo, que descrevem como "viciar" as pessoas na rua.

"Viciar as pessoas na rua é quando estás a escolher um ponto onde vais distribuir a sopa, ou a massa, ou o que tiveres, e a pessoa fica habituada a ir aquele local e a estar de pé, ou a estar sentada no chão e a comer uma sopa. Para mim, isto transforma-se noutro vício, e as pessoas que fazem esta caridade devem pensar três vezes antes de sair à rua e dar uma sopa", afirma Cristian.

Por outro lado, a Saber compreender tenta "arranjar alimentos para que possam confeccionar em casa, caso seja uma casa. No caso dos quartos, agora existe o restaurante solidário, que também facilita que não tenham que ir às carrinhas, mas sim que se dirijam ao restaurante solidário, onde sempre conseguem comer de forma mais digna, num espaço coberto", descreve Dora.

O restaurante solidário é um projeto piloto que abriu na Batalha, no Porto. "Para sem abrigo ou para pessoas em situação de sem abrigo, ou para famílias que não têm comida, ou que não têm nada em casa, para não os viciar em ir à carrinha, há o restaurante solidário, onde de sentam, com dignidade, a comer. Agora que vai começar o inverno, vai começar a chuva, quem come das carrinhas vai comer onde, vai-se abrigar onde? Enquanto que no restaurante solidário há cadeiras, mesas e a comida igual à de casa, é muito boa", diz Cristian.

A Saber Compreender é uma associação sem fins lucrativos, que sobrevive graças aos donativos de bens que recebe no facebook. Também se diferencia das restantes associações porque Cristian, que passou por uma vida de toxicodependência e que foi sem abrigo, é um dos poucos Educadores de Pares do Porto.

Cristian explica que um educador de pares é uma "ponte entre o sem abrigo, ou a pessoa que está em situação de sem abrigo e, por exemplo, a Dora e o Miguel, que fazem as sinalizações à Segurança Social. Comigo eles falam de uma maneira, há aquelas palavras e coisas da rua. Por exemplo, se eu encontro um utilizador de drogas, já é outra conversa entre nós dois, eu, como ex utilizador, já nos entendemos melhor. Posso fazer-lhe chegar as palavras que ele não conseguia dizer à Dora e ao Miguel".

A cumplicidade de Dora e Cristian é inseparável da história da associação. "Conheci o Cristian enquanto voluntária, conheci-o na rua, ele estava a passar na Batalha e uma colega nossa chamou-o e, olha, foi assim uma empatia, houve logo aquela empatia", relembra Dora. "Depois passado algum tempo, encontrei-me com ela numa reunião do movimento “uma vida como a arte”, e foi a partir daí. Antes de sermos namorados fomos amigos, fomos bons amigos", completa Cristian.

 

 

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