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“Rejeitar governo do empobrecimento é resgatar a esperança”

“O dia de hoje marca uma mudança política no nosso país que não é pequena”, afirmou Catarina Martins no encerramento do debate sobre o programa do Governo. Segundo a porta voz bloquista, “a relação de forças que temos hoje na Assembleia da República corresponde ao desejo de mudança e à esperança no país e na democracia”.
Foto de Miguel A. Lopes, Lusa.

“No debate destes dois dias, foi repetido à exaustão e em diversos formatos que nunca aconteceu o que está a acontecer. Eu não podia concordar mais. Estamos a fazer o que nunca foi feito. E ainda bem. Estava mais do que na hora”, destacou Catarina Martins no início da sua intervenção.

Referindo-se ao acordo firmado com o PS, a porta voz do Bloco referiu “que os passos que fomos capazes de dar juntos são a diferença entre continuar a empobrecer ou responder pela vida das pessoas”.

“E não faltamos à responsabilidade”, garantiu, afirmando que “a clareza de quem sempre disse ao que vem, e nunca baixa os braços, é a maior garantia de estabilidade de quem não falha ao compromisso que faz”.

“Quem transformou linhas vermelhas em linhas laranjas para ser vice-primeiro-ministro pode não compreender que a estabilidade radique, antes de tudo o mais, no compromisso político claro com o país”, sublinhou a dirigente bloquista, defendendo que ao rejeitarmos o “governo do empobrecimento” não estaremos apenas “a livrar o país de um governo que foi recusado pela maioria nas urnas” mas também, e sobretudo, “a concretizar a esperança dessa mesma maioria numa mudança que responda pela vida concreta das pessoas”.

O Esquerda.net transcreve, na íntegra, a intervenção Catarina Martins no encerramento do debate sobre o programa do Governo:

“Senhor Presidente

Senhoras e senhores deputados,

No debate destes dois dias, foi repetido à exaustão e em diversos formatos que nunca aconteceu o que está a acontecer.

Eu não podia concordar mais.

Estamos a fazer o que nunca foi feito. E ainda bem. Estava mais do que na hora.

Fazer como mandam as convenções seria o pior de tudo: porque faltaria à resposta à vida das pessoas, como sempre tem faltado. E porque faltaria à verdade dos resultados eleitorais.

Não é no Parlamento que está a acontecer o que nunca aconteceu antes. Foi no país. E nós, eleitos e eleitas com a mesma legitimidade, representamos essa mudança. Ilegítimo seria deixar que permanecesse no governo a direita que a maioria do povo rejeitou.

Vamos primeiro aos resultados eleitorais, que, aparentemente, a direita tem dificuldade em compreender:

Em 2011 PSD sozinho elegeu 108 deputados. Não chegava para formar um governo com apoio maioritário no Parlamento. Mas coligou-se com o CDS, que tinha eleito 24 deputados, e conseguiram uma maioria de 132 deputados e deputadas. Hoje, PSD e CDS juntos têm apenas 107 deputados, menos do que teve PSD sozinho em 2011. Perderam 700 mil votos e 25 deputados. Para serem governo precisam que outra força política os apoie no Parlamento. E, como está à vista, não têm esse apoio. E é por isso que o seu governo é rejeitado. Porque não têm os votos suficientes no país e na Assembleia da República. Não os tiveram no 4 de outubro. Não elegeram deputados e deputadas suficientes.

PSD e CDS estão em choque e parecem achar que a obrigação das outras forças políticas é apoiá-los, contra o compromisso eleitoral que os elegeu, contra tudo o que disseram na campanha e nestes 4 anos de oposição, PSD e CDS querem que quem concorreu contra o seu governo agora suporte o seu governo, porque sim. Porque se convenceram que as soluções de governo só podem ser as mesmas de sempre e que nenhum resultado eleitoral pode mudar verdadeiramente nada. Nunca se viu um Paulo Portas tão cavaquista como o do dia em que perdeu o poder.

Senhoras e senhores deputados,

O dia de hoje marca uma mudança política no nosso país que não é pequena. Que não é fruto nem de meros jogos aritméticos conjunturais, nem do voluntarismo das bancadas parlamentares. Perceber o momento que vivemos exige compreender como cresceram as condições para esta mudança, quem foram os seus obreiros, e em que se traduz para o futuro.

Ao longo dos últimos 4 anos existiu uma reconfiguração do país que não foi pequena. A sucessão de orçamentos inconstitucionais foi a ponta do iceberg das alterações que a direita impôs contra os pilares da democracia em Portugal.

Não há democracia sem condições de igualdade e liberdade. E por isso o acesso à educação, como à saúde, e, desde logo, os direitos laborais, são pilares de democracia. Uma escola pública e um serviço nacional de saúde fragilizados e desarticulados são condições de desigualdade. O ataque à contratação coletiva, a precariedade e o desemprego massivos são condições do medo de quase todos em nome da prepotência de uns poucos.

Se hoje a direita está isolada no Parlamento, foi porque se isolou nos últimos anos para atacar o país, para quebrar o contrato social em que se funda a democracia. Quem pôs geração contra geração, trabalhadores contra trabalhadores, pobres contra pobres, para que o ressentimento abrisse espaço à quebra do contrato social em que se funda a democracia, acabou isolado. E ainda bem. O que a direita lê hoje como o ataque à democracia é, de facto, o resgate da democracia.

A enorme crise social que a direita impôs ao país acabou por criar novas condições políticas. A relação de forças que temos hoje na Assembleia da República corresponde ao desejo de mudança e à esperança no país e na democracia. Se quem governou até agora não teve maioria, não é menos verdade que a alternância do costume também não é já opção. Os resultados eleitorais exigem muito mais de todos nós.

O milhão de pessoas que se expressou à esquerda do centrão representam a prioridade da resposta à emergência social. Esse milhão é a força que mudou tudo.

O que significa esta mudança?

Desde logo a recusa da mentira e do permanente jogo de sombras. Vejam bem a gigantesca campanha da direita de que tudo estava melhor: das pancadinhas nas costas dos mercados e de Berlim, à sobretaxa que ia ser devolvida. A direita teve todo o horário nobre, todos os meios de comunicação social, para falar do seu sucesso e das suas promessa enquanto escondia o que fez e o que tinha no programa. E mesmo assim Perdeu. Perdeu 700 mil votos e perdeu a maioria porque mentiu e já não sabem fazer mais do que mentir.

Senhoras e senhores deputados,

Não se esqueça de mim.

Não se esqueça de nós.

Não se esqueça.

Foi a frase que mais ouvi esta campanha eleitoral. Há todo um país que se sente esquecido. O país das pensões cortadas, dos salários de miséria, do desemprego e do estágio, do velho demais para trabalhar e novo demais para a reforma, da vida toda pela frente que só existe se for lá fora, no estrangeiro.

Um povo inteiro que ouve falar dos compromissos internacionais, da instabilidade dos mercados, do perigo da fuga de capitais, e se pergunta, e quando terá a minha vida um segundo que seja da atenção de quem decide das nossas vidas?

Haverá um momento para se ponderar o compromisso do Estado com quem contribui toda a vida e hoje não tem dinheiro sequer para os medicamentos? De quem trabalha cada vez mais horas e só vê o salário encolher? Quando entrará na política a preocupação com a instabilidade tremenda de quem perdeu o emprego, de quem perdeu a casa, de quem não consegue sequer comprar os iogurtes para os miúdos? Haverá um momento para começarmos a preocupar-nos a sério com a fuga de gente do nosso país? Com a fuga de 110 mil pessoas em idade ativa por ano, por não encontraram aqui emprego digno?

Já sei. Aqui neste plenário, para a direita, falar de mercados é preocupação de gente séria. Falar da fome, do desespero, é demagogia insuportável. E mais, repetiu a direita ao longo de todo o debate como ao longo dos últimos anos: se os mercados não estiverem felizes e bem alimentados, ninguém no país terá o que comer. E enquanto cuidam zelosamente os sempre insaciáveis e irascíveis mercados, nem se dão conta que o país se esvazia de gente e de futuro.

Eu não me esqueço. Nós não nos esquecemos.

Por isso rejeitamos este governo. Por isso construímos alternativa. Um compromisso em nome das pessoas. Um compromisso de quem não se demite de responder à emergência. De quem não esquece.

Logo na pré campanha eleitoral, o Bloco de Esquerda assumiu esse compromisso da disponibilidade para uma maioria que respondesse à emergência. Anunciámo-lo publicamente: cá estaríamos para debater uma solução para o país com um Partido Socialista que se comprometesse com medidas essenciais pelo emprego, salários, pensões. E cumprimos com o nosso compromisso.

A recuperação de rendimentos prevista no acordo é tímida face a tudo o que se perdeu nestes anos. A proteção social fica aquém da enorme urgência criada pela destruição dos últimos 4 anos. A capacidade de investimento é curta face à absoluta necessidade de reconstrução de capacidade produtiva e emprego.

Mas são passos possíveis nos constrangimentos de que o Partido Socialista não abdica. Não concordamos. Mas sabemos que os passos que fomos capazes de dar juntos são a diferença entre continuar a empobrecer ou responder pela vida das pessoas. E não faltamos à responsabilidade. A clareza de quem sempre disse ao que vem, e nunca baixa os braços, é a maior garantia de estabilidade de quem não falha ao compromisso que faz.

Quem transformou linhas vermelhas em linhas laranjas para ser vice-primeiro-ministro pode não compreender que a estabilidade radique, antes de tudo o mais, no compromisso político claro com o país. Também essa é uma mudança que hoje fazemos. E de que nos orgulhamos.

Senhoras e senhores deputados,

Neste mês desde as eleições trabalhámos afincadamente para uma convergência o mais ampla possível. Que garanta estabilidade à vida das pessoas e que por isso permita uma solução de governo para a legislatura. E foi possível:

Chegámos a compromissos claros em matérias tão complicadas e essenciais como o aumento da Salário Mínimo Nacional, reposição de salários cortados da função pública, alterações fiscais que aumentem o rendimento disponível de quem vive do seu trabalho. Descongelamento de pensões e proteção das pensões futuras. Retomar a contratação coletiva e combater com determinação a precariedade e o abuso. Repôr os feriados e horários de trabalho decentes.

Proteger a habitação das execuções e penhoras, reverter parte da reforma do IRC para obrigar a pagar impostos quem tem ganho sempre e nunca paga, baixar o IVA da restauração, garantir acesso à luz e gás a quem vive com quase nada.

Parar privatizações e concessões, garantir que o país não perde controlo sobre setores tão importantes como os transportes públicos e bens tão essenciais como a água. Pôr um ponto final a privatizações, porque um país não se vende.

Proteger e recuperar a Escola Pública e o Serviço Nacional de Saúde. Respeitar os profissionais da saúde e da educação, acabar com a humilhação de professores e alunos, assegurar o acesso à saúde. Recuperar investimento na Cultura e na Ciência, porque sem elas não há futuro.

Respeitar as pessoas. Reverter as alterações humilhantes à lei da interrupção voluntária da gravidez e garantir direitos iguais a todas as famílias.

Senhoras e senhores deputados,

Dentro de momentos rejeitaremos o governo do empobrecimento. Quando fizermos essa votação não estaremos apenas a livrar o país de um governo que foi recusado pela maioria nas urnas. Estaremos também, e sobretudo, a concretizar a esperança dessa mesma maioria numa mudança que responda pela vida concreta das pessoas.

Nos últimos dias, por todo o país, toda a gente discute política. O que foi, o que será. Ainda bem. Votar deixou de ser um ritual com resultado pré definido. A política - ou seja, o país, as escolhas sobre a vida desta comunidade que é a nossa - é agora assunto de todos e convoca cada um e cada uma de nós. A democracia é todos os dias e é agora".

Catarina Martins: “Não faltamos à nossa responsabilidade”

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