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“Regime angolano quer enterrar todas as liberdades constitucionais”

Em entrevista ao jornal angolano Folha 8, Luís Nascimento, um dos advogados dos 17 ativistas angolanos, reafirma que os jovens “não estão arrependidos de nada”, que o juiz do processo prestou “um mau serviço à justiça” e que esta revela uma grande inação quando se trata de crimes como a “grande corrupção” e o “nepotismo”.
Foto de Paulo Julião/Lusa

Começando por se referir à libertação dos jovens, o advogado disse ao Folha 8 que “nem ele nem outro outro advogado do processo foi notificado de qualquer acórdão do Tribunal”.

“Incumbi o relações públicas do escritório [de advogados] a deslocar-se ao Tribunal Constitucional, pois o [jornal] O País era a fonte da notícia, a fim de se certificar in loco da idoneidade ou não da notícia, que ele não confirmou”, afirmou Luís Nascimento, acrescentando que se encontrava já “descrente” quando recebeu “um telefonema do Dr. Michel, um dos meus colegas na defesa dos “Revús” que me informou estar a caminho do Hospital Prisão de S. Paulo, para participar na libertação provisória dos mesmos, por Acórdão do Tribunal Supremo”.

Cercear o pensamento

Questionado pelo jornalista sobre a sensação que teve quando viu as portas das “masmorras do regime” abrirem-se para libertar os jovens que “nunca deviam ter sido presos”, Luís Nascimento sublinhou o “alívio” que sentiu e também uma “sensação de libertação” porque, disse, este ato, pode “representar para nós, advogados, a libertação de grande parte do fardo que transportamos há mais de um ano”.

No que diz respeito a um eventual arrependimento dos condenados após a sua libertação, aquele advogado disse que eles não estão arrendepidos de nada, porque pensam não ter cometido nenhum ilícito.

"Mal reconquistaram a sua liberdade decidiram, espontaneamente, fazer uma marcha do Hospital Prisão de S. Paulo à sede da União de Escritores Angolanos, um acto simbólico em defesa do direito à liberdade de expressão", acrescentou.

Sobre as razões que levaram à prisão e condenação dos jovens, aquele jurista referiu que a mesma significa não só “a promoção, por parte do regime, do analfabetismo funcional dado que os condenados estavam a ler dois livros, mas representou e ainda representa uma tentativa de concretização do seu projecto de enterrar todas as liberdades inscritas na presente Constituição, designadamente, o direito de exprimir e divulgar livremente o pensamento através da palavra, o direito de se informar, de ser informado e de informar, bem como o direito à liberdade de criação cultural, artística intelectual e científica, onde se inclui o direito de escrever, de ler e divulgar a obra científica, literária e artística”

Em relação ao desempenho do juiz Januário José Domingos, o defensor dos ativistas afirma que prestou um “péssimo” serviço à justiça tendo mesmo adiantado que este podia desempenhar o papel que desempenhou, como instrutor do processo, quiçá, com representante do Ministério Público, mas "jamais com juiz, pois, no exercício das suas funções ele não foi independente, não foi imparcial não obedeceu à Constituição, nem à lei, nem à circular nº02, de 6 de Novembro, do Tribunal Supremo versada sobre o habeas corpus”.

Ainda sobre a atuação do juiz e as pressões a que este possa ter estado sujeito por parte do SINFO (Serviços de Informação) e da Presidência da República que tinha agentes e câmaras de televisão na sala de audiências, Luís Nascimento disse que o juiz pode “sofrer muitas pressões” (…) mas no exercício das suas funções [os juízes] devem ser "independentes" e "obedecer apenas à Constituição e à lei" porque se forem pressionados devem ter a "hombridade de não obedecer ou de arranjar outra profissão”.

"Se os juízes forem pressionados, devem ter a hombridade de não obedecer ou de arranjar outra profissão", diz Luís Nascimento. Foto Folha 8


A grande corrupção passa ao lado dos tribunais

Respondendo depois a uma pergunta natureza mais técnica sobre se os juízes dos tribunais comuns devem julgar e condenar, sem preocupação de fazer justiça, para depois o Tribunal Supremo corrigir as suas “borradas” relacionadas com o flagrante desconhecimento e violação das leis, aquele advogado é claro ao dizer que “urge que os casos flagrantes de injustiças por desconhecimento, violações às leis e por cumprimento às ordens superiores, praticados por juízes, sejam submetidos ao crivo do Conselho Superior da Magistratura que, assinala, deveria inclusive, inibir muitos desses juízes do exercício da profissão”.

muitos dos principais factos criminosos, como a grande corrupção, nepotismo, assalto descarado ao erário público praticado por gestores públicos e não só passam ao lado dos tribunais

Sobre as críticas que a nível nacional e internacional recaíram sobre o sistema de justiça angolano, Luís Nascimento afirmou que, na sua opinião, estas ficaram a dever-se à "perversidade" do sistema, uma vez que "muitos dos principais factos criminosos, como a grande corrupção, nepotismo, assalto descarado ao erário público praticado por gestores públicos e não só passam ao lado dos tribunais".

Em relação à isenção do Tribunal Supremo na análise ao recurso interposto sobre a condenação dos ativistas, o jurista sublinha que apesar das decisões dos tribunais serem de cumprimento obrigatório para todos os cidadãos e demais pessoas jurídicas, resguarda a sua opinião sobre o crédito ou descrédito das mesmas em função das decisões concretas que são tomadas.

É em função a decisão que o Tribunal Supremo tomar que posso aferir da sua idoneidade e justiça. Portanto, no caso em apreço apenas terei que esperar pelo Acórdão do Tribunal Supremo”, sublinha.

 

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