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Quem são as figuras que deram o golpe de Estado na Bolívia

Figuras como Jeanine Áñez, Carlos Mesa e Luis Fernando Camacho revelam o tipo de pessoas que estão por trás do golpe anti indígena na Bolívia. Por Victor Farinelli.

O golpe de Estado ocorrido na Bolívia no último domingo (10/11) mostrou claras características de racismo e intolerância política. E isso não é um acaso.

O professor José Luis Fiori, académico da Universidade e um dos maiores intelectuais brasileiros, fez um relato de alguns dos factos que marcaram aquele início de golpe, e que mostram o tipo atitude que está por trás do avanço dos golpistas: “assim como outras tantas, a residência presidencial de Evo foi invadida, depredada e vandalizada. Na parede da sala, uma grande pichagem: `Hijo de Puta´.

Um vídeo amador Transmitido pelas TVs mostrava o ato. Dentro da casa, dezenas de jovens de classe média, incluindo muitas meninas adolescentes com casacos do Mickey Mouse. Quem vandalizou a casa de Evo inacreditavelmente foram estudantes de classe média. Mas algo grandioso é revelado no próprio vídeo. Se a intenção era depredar a casa de algum político magnata, a surpresa foi geral. Uma casa austera, simples, sem luxo algum. Nenhuma ostentação de nada, nem uma única banheira de hidromassagem, nada. A box onde Evo tomava os seus banhos é metade do meu. Ao lado do seu quarto uma salinha minúscula com uma esteira rolante e dois aparelhos de exercício. A mini-academia mais simples que já vi na vida. E é aí que o vídeo acaba por morder o seu próprio veneno. Pois ao não encontrarem o luxo que esperavam só restou aqueles jovens mediocrizados pela vida a ridicularização do gosto simplório do seu ex-presidente indígena. E assim ao ver um par de ténis numa pequena estante um jovem comenta sorrindo: "olha o mal gosto do índio". Eles bem que tentaram. Depredaram, vandalizaram, violentaram. Mas quem saiu digno e erguido, livre de todo aquele lixo que tentaram atirar-lhe, foi um homem nobre e digno chamado Juan Evo Morales Ayma”.

Mas além dos vândalos que destruíram a casa do presidente, o que podemos falar também dos líderes do processo? Falemos sobre os três nomes que são os mais visíveis, e que foram também os que convocaram os grupos causadores de vandalismo: a senadora Jeanine Áñez, autoproclamada presidente do país, o jornalista Carlos Mesa, que perdeu a eleição presidencial contra Evo Morales no dia 20 de outubro, e o empresário e fundamentalista religioso Luis Fernando Camacho, que invadiu o Palácio Quemado com uma bíblia e lidera os grupos mais racistas de Santa Cruz de la Sierra.

Jeanine Áñez era, até a segunda-feira (11/11), somente a vice-presidente do Senado. Os golpistas lançaram-na como sua representante depois de as Forças Armadas terem obrigado as únicas quatro pessoas com direito constitucional de estar na linha de sucessão a renunciar: o presidente Evo Morales, o vice-presidente Álvaro García Linera, a presidente do Senado Adriana Salvatierra e o presidente da Câmara dos Deputados, Víctor Borda.

Além da cena lamentável da sua autoproclamação, diante de um Senado vazio – a autoproclamação de Áñez realizou-se diante de um Senado vazio –, ela tem antecedentes de ser uma das figuras mais racistas da política boliviana. São conhecidas no país as suas críticas a Evo Morales atacando a sua origem indígena, e tweets onde crítica a utilização por parte do seu governo de símbolos indígenas, como a bandeira Whipala.

Por outro lado, o jornalista Carlos Mesa, candidato derrotado por Evo Morales nas eleições de outubro, é um ex-presidente do país, que governou entre os anos de 2003 e 2005, depois de ser vice-presidente durante o breve governo de Gonzalo Sánchez de Lozada (2002-2003).

Tanto o seu governo como o do seu antecessor foram marcados pela chamada Guerra do Gás, quando a população se revoltou porque o governo passou a priorizar o uso das reservas de gás natural produzido pelo país para as exportações a Brasil, Argentina e Chile, em detrimento das necessidades da população local. A repressão dos movimentos populares ordenada por Mesa e Lozada resultou em mais de 200 pessoas mortas, mais de mil feridos e cerca de 4 mil detenções arbitrárias.

Finalmente, o líder intelectual do golpe, o empresário Luis Fernando Camacho. Trata-se de um fundamentalista religioso e figura proeminente da elite de Santa Cruz de la Sierra, reduto político dominado pela direita. Amigo da família Bolsonaro, Camacho chegou a visitar o Itamaraty em maio deste ano, cinco meses antes das eleições presidenciais.

Depois do golpe, Camacho passou a tentar esconder o seu racismo, devido às críticas que recebeu pelo seu gesto de entrar no Palácio Quemado (sede do governo boliviano) com uma bíblia e realizar um culto, mas a verdade é que os grupos que queimaram bandeiras indígenas Whipala em vários edifícios governamentais do país no dia do golpe pertencem ao seu partido, o Centro Cívico.

Além disso, Camacho também está ligado ao escândalo internacional Panamá Papers, por ter ocultado mais de 50 milhões de dólares das suas empresas através de paraísos fiscais na América Central, segundo investigações do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, na sua sigla em inglês).

Artigo publicado na Carta Capital

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