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Quem é terrorista na guerra síria?

Pensar que o Direito Internacional ainda tem algum valor substantivo é tarefa impossível. Artigo de José Manuel Rosendo no blogue meu Mundo minha Aldeia.

A questão de saber quem é terrorista, voltou a emperrar as mais recentes negociações para a resolução que o Conselho de Segurança aprovou, por unanimidade, para um cessar-fogo de 30 dias. As armas calam-se, mas quando se tratar de grupos ligados à Al Qaeda ou ao Estado Islâmico, o cessar-fogo não se aplica. Assim ficou definido.

Aliás, o actual momento da guerra na Síria está muito mal explicado. Se por um lado o Conselho de Segurança votou um cessar-fogo, por unanimidade dos 15 membros, ele nunca entrou de facto em vigor. E neste caso o que é mais difícil entender é que um dos membros (Rússia) que votou essa resolução, surja poucos dias depois a declarar uma “trégua humanitária” diária entre as 09h00 e as 14h00. Isto é: a Rússia troca uma resolução do Conselho de Segurança, que deveria defender, por uma trégua que ela própria declara e impõe de forma unilateral. Pensar que o Direito Internacional ainda tem algum valor substantivo é tarefa impossível.

Como também sempre acontece, neste e em outros conflitos, seja com uma trégua de algumas horas por dia ou mesmo com um cessar-fogo mais abrangente, os diferentes opositores acusam-se entre eles de violação dessa trégua. Como é evidente, todos negam as violações que lhes são atribuídas.

O que se passa em Ghouta Oriental, nos arredores de Damasco tem muitas semelhanças com o que aconteceu em Aleppo. Os diferentes grupos de combatentes, pressionados pelas forças do Exército sírio e aliados, que vão ganhando terreno, vão-se acantonando nas áreas que ainda controlam. Essas áreas são cada vez mais pequenas, à medida que aperta o cerco imposto por Assad, russos e aliados pró-iranianos. Vai chegar a um momento – já lá chegámos – em que é insustentável, para combatentes e civis, continuar a viver em Ghouta, se não estiverem dispostos a morrer. Porque é isso que vai acontecer se outra solução não for encontrada.

Com esta situação, qual é a alternativa? Eventualmente permitir, tal como em Aleppo, que combatentes e os civis que assim queiram, sejam levados para outro local. Esse outro local, controlado por rebeldes, só pode ser Idlib. Mas desde já é bom notar que também em Idlib o cerco está a apertar. Basta seguir os mapas que mostram os ganhos e perdas territoriais dos diferentes protagonistas para poder concluir que, quando Idlib for o último reduto rebelde, vai ser aí que Assad e aliados vão concentrar forças para uma eventual batalha final.


Mapa da relação actual de forças na guerra síria elaborado pelo Omran Center for Strategic Studies

 

Aqui chegados, sabemos exactamente quem são as forças do Governo de Bashar al Assad; sabemos que os russos têm bases militares no terreno e que há forças pró-iranianas também a combater ao lado de Assad. Um pequeno parêntesis para dizer que os norte-americanos e turcos também estão no terreno, embora não na região de Ghouta/Damasco. E depois disto tudo sabemos muito pouco: o Exército Livre da Síria tem vindo a perder expressão; há uma panóplia de grupos combatentes, uns mais poderosos que outros, mas que temos dificuldade em perceber e definir. Muitos desses grupos, que de início até teriam objectivos puramente políticos (ou pelo menos não submetidos a uma bandeira de carácter religioso) estão num momento em que trabalham sobretudo para a sua própria sobrevivência. As alianças entre eles são absolutamente imprevisíveis e mudam consoante as tais necessidades de sobrevivência.

A questão de saber quem é (ou quem deve ser) considerado terrorista, tem sido um bloqueio em todas as negociações, seja sob a égide da ONU ou em Astana, com russos, turcos e iranianos a puxarem os cordelinhos. Se a ONU sempre tende a “convidar” a esmagadora maioria dos grupos que combatem na Síria, em Astana o filtro dos convites é mais apurado. Num caso e no outro há grupos que nunca chegam a sentar-se à mesa; outros que são recusados pelos anfitriões e outros que, por imposição de alguns que se sentam à mesa, acabam por não ter voz.

Para uma melhor compreensão das forças no terreno e para ficarmos elucidados quando à sua natureza, basta conferir a informação divulgada pelos principais protagonistas. Ver quem é acusado de terrorista por Governo sírio, Exército Livre da Síria, Turquia, Irão e até Iraque, vai levar-nos a um labirinto cuja porta de saída – saber quem é terrorista – é impossível de encontrar.

Perguntar-se-á: então como é que isto se resolve? Após sete anos de guerra, é bom não esquecer que tudo começou com o pedido de libertação de um grupo de jovens estudantes que tinham feito inscrições numas paredes. O regime reagiu de forma violentíssima e a reivindicação passou a ser realização de eleições livres, crescendo depois para a exigência da queda de Assad. A partir daí a história é conhecida.

Como em todos os conflitos, a única solução é sentar à mesa das negociações TODOS os que estejam dispostos a dialogar. Depois, é necessário que todos percebam que TODOS têm de ceder alguma coisa e então sim, pode começar um processo que deixe as armas em descanso. O problema é que esse momento de necessidade de diálogo apenas acontece quando todos os protagonistas sentem que não podem ganhar a guerra. Enquanto as acusações de terrorismo estiverem nos discursos, a Síria não terá descanso. Utopia? Será, mas em todos os conflitos a paz só é possível quando, aqueles que se guerreiam, e odeiam, apertam as mãos. E falta falar de Afrin e dos curdos, mas essa é outra questão, que nunca se sabe se não poderá ter consequências piores do que aquelas que neste momento estão no topo das preocupações.

Pinhal Novo, 1 de Março de 2018

josé manuel rosendo


Artigo publicado no blogue meu Mundo minha Aldeia.

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