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Pureza defende que Igreja admita indemnizar vítimas de abusos

O ex-deputado defende que “é absolutamente necessário que a resposta dada pela hierarquia católica não seja minimalista”. Uma carta de centenas de católicos insta também a afastar os bispos que encobriram casos e defende medidas contra o abuso “sistémico e diretamente relacionado com o exercício do poder” na instituição.
José Manuel Pureza. Foto de Ana Mendes.

No mesmo dia em que se reúne a Conferência Episcopal Portuguesa na sequência do relatório da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica, à qual foram comunicados 512 casos de abusos sexuais e que foram considerados apenas “ponta do iceberg”, José Manuel Pureza defende que os bispos devem “encarar” indemnizar as vítimas.

Para o professor universitário, a Igreja “não pode estar, de maneira nenhuma, excluída essa hipótese. Noutras situações, idênticas àquelas que se viveram em Portugal, outras igrejas adotaram essa medida de reparação pecuniária às vítimas e às suas famílias. É de encarar com toda a determinação essa possibilidade, porque não sendo senão uma ferramenta, é uma ferramenta que deve ser mobilizada pela Igreja Católica”, declarou à Lusa.

Mas esta não é a única questão levantada. Defende ainda que “é absolutamente necessário que a resposta dada pela hierarquia católica não seja minimalista. Tem de ser uma resposta de plena determinação e com todas as consequências que é necessário tirar daquele relatório trágico”.

O dirigente bloquista apela igualmente à “lucidez e humildade” dos responsáveis da Igreja e à “coragem, lucidez e determinação” de forma a alterar comportamentos, práticas e mentalidades enraizadas na instituição. Assim, “para que não venham a eclodir fenómenos deste tipo, é preciso que a relação de poder seja completamente transformada. Isso leva tempo, passa pela formação e por uma conceção de organização da igreja que previna este tipo de relação de poder”.

Carta aberta de católicos pede saída de bispos que encobriram casos

Antes destas declarações já um grupo de católicos tinha escrito uma carta aberta aos bispos, da qual Pureza é também subscritor. Entre os mais de 240 subscritores, contam-se a escritora Alice Vieira, o jornalista Jorge Wemans e o ex-presidente da Cáritas, Eugénio Fonseca. Estão envolvidos movimentos o Graal, o Nós Somos Igreja, a Ação Católica dos Meios Sociais Independente, a Metanoia-Movimento Católico de Profissionais, a Comunidade da Capela do Rato (Foco ecológico) e o Grupo Sinodal Nós entre Nós.

Uma das suas exigências é que os bispos que ajudaram a encobrir casos cessem funções. Admitem “enorme angústia e embaraço” sobre os “crimes de abuso sexual pelo clero católico e a incapacidade de a Igreja os prevenir” e consideram que “este tipo de atuação, observado na Igreja Católica em todas as latitudes e ambientes culturais, é sistémico e diretamente relacionado com o exercício do poder no seu interior e, noutro plano, com as manobras de encobrimento passivo ou ativo”.

Para além disso, exigem uma “investigação nacional rigorosa, abrangente e verdadeiramente independente, com o arco temporal de 50 anos, a cargo de uma comissão de peritos constituída exclusivamente por leigos católicos, por não crentes, por profissionais das ciências sociais e da justiça, cuja autonomia e independência sejam absolutamente inquestionáveis, ainda que possa, eventualmente, ser assessorada por algum elemento do clero” e, se isso não for feito e se não forem tomadas medidas efetivas dizem recear “que a inação da CEP seja vista pela sociedade portuguesa como encobrimento”.

Da missiva constam ainda propostas como “criar de imediato modos de viabilizar apoio e ajuda psicológica, psiquiátrica e espiritual às vítimas de abusos sexuais que o pretendam”, “instituir um momento solene e coletivo para pedir-lhes perdão”, que a já existente rede de comissões diocesanas sobre abusos se recentre na prevenção primária e na formação e que sejam tomadas medidas relativamente a “todos os abusadores que estejam atualmente ao serviço da Igreja” (“suspensão com carácter preventivo sempre que haja indícios minimamente credíveis sobre abusos e, quando considerados culpados à luz da moral cristã, independentemente de eventual processo judicial, sejam dispensados de funções e, no caso de clérigos, passando ao estado laical”).

A mais longo prazo pretende-se que as conclusões do relatório da Comissão Independente sejam divulgadas, “prevenindo a tentação negacionista ou de relativização do fenómeno criminal”, que se elabore “um manual de boas práticas que ajude os agentes pastorais a prevenir situações de risco e a identificar indícios de casos de abusos, bem como a acolher e encaminhar vítimas”, que se promova “uma reflexão de fundo sobre o impacto negativo que a perceção distorcida sobre a sexualidade humana tem vindo a causar em toda a Igreja, com a ajuda de especialistas externos” e que haja “um acompanhamento aos abusadores que necessariamente inclua tratamento psiquiátrico e psicológico”.

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