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“Propomos a exigência máxima do Estado relativamente aos offshores”

No segundo debate potestativo marcado para esta legislatura, o Bloco irá discutir offshores e apresenta várias medidas sobre o tema. O esquerda.net falou com Mariana Mortágua, em antecipação do debate da próxima quinta-feira.
Mariana Mortágua, foto de Paulete Matos.

Que projetos serão apresentados pelo Bloco?

O Bloco apresenta oito projetos de lei e um projeto de resolução. Este foi escrito enquanto projeto de resolução para que possa ser transposta rapidamente uma diretiva sobre branqueamento de capitais; uma diretiva que avança em algumas coisas que é importante que sejam transpostas para a lei portuguesa.

Nos projetos de lei, há uma proposta para extinguir as ações e obrigações ao portador, que basicamente são formas de opacidade, porque nunca sabemos quem são os verdadeiros titulares das ações, das empresas ou dos títulos que representam a propriedade de uma determinada empresa. Isso permite a transferência de propriedade de veículos e de empresas, sem nenhuma transparência.

Damos as boas vindas e acolhemos todas as propostas que queiram vir, mas não queremos que este seja um debate de fachada. Quando se fazem propostas, convém que estas tenham um impacto real. Queremos queremos que este debate seja consequente ao nível das propostas que dele saem.

Há uma proposta sobre a limitação dos pagamentos em notas, que também tem a ver com o branqueamento de capitais. Defendemos que tudo acima de um determinado limite deve ficar registado através de uma transferência bancária. Há uma outra proposta para que as finanças sejam obrigadas a publicar anualmente o valor das transferências para offshores, ao contrário do que acontecia até aqui.

Propomos proibir pagamentos ou transferências para offshores não cooperantes. Basicamente, para proibir ou vedar as relações financeiras entre capitais portugueses e offshores que descaradamente e reiteradamente não tenham acordos de troca de informação e de cooperação.

Apresentaremos ainda uma proposta para condicionar os benefícios fiscais na Madeira, por um lado, para os limitar, e por outro, para associá-los à verdadeira criação de emprego. Também iremos defender a melhor definição de o que é um beneficiário efetivo para efeitos do código do IRC, para tornar a lei mais exigente. Por último, vamos apresentar uma medida que obriga ao registo dos reais detentores de participações bancárias, mesmo que tendo participações relativamente pequenas.

O grupo parlamentar do Bloco de Esquerda fez um convite aos restantes grupos parlamentares para que apresentassem, também eles, propostas, no dia do debate promovido pelo Bloco, que reação teve o convite?

Até agora, o CDS, o PS e o PCP anunciaram que iriam apresentar, ou já apresentaram medidas. É obviamente importante que este debate seja alargado, fizemos o convite para promover o diálogo e o debate sobre esta matéria, mas também para que a discussão tenha consequências.

Damos as boas vindas e acolhemos todas as propostas que queiram vir, mas somos críticos e não queremos que este seja um debate de fachada. Quando se fazem propostas, convém que estas tenham um impacto real e que não sejam apenas propostas para se fingir que se fez alguma coisa, quando na verdade não se está a mudar nada de concreto. Queremos que este debate seja consequente ao nível das propostas que dele saem.

Estamos a obrigar o regime existente na Madeira a cumprir o propósito que diz querer cumprir, e acabar com a hipocrisia de quem diz defender o offshore da Madeira para criar emprego, mas quando há uma lei que o obriga a fazê-lo, vota contra essa mesma lei.

A proposta de obrigar as empresas que se venham a instalar no Centro Internacional de Negócios da Madeira a criarem seis postos de trabalho na Região foi recebida pela Câmara de Comércio e Indústria como um “atentado às finanças públicas”. O que é que efetivamente acontecerá se a proposta do Bloco for aprovada? 

Essa é uma chantagem que não tem qualquer sentido ou fundamento, por dois motivos. Em primeiro lugar, porque quem defende que o offshore da Madeira deva existir, é porque diz que cria emprego e fomenta a atividade económica. A própria lei da Zona Franca da Madeira diz que, para poder aceder a alguns benefícios, as empresas têm de criar um certo número de postos de trabalho. Estes postos de trabalho têm de ser efetivamente criados, não podem estar só no papel.

Das duas uma: se estes posto de trabalho estiverem efetivamente a ser criados, este projeto terá pouca incidência, causará poucos transtornos; mas, se as atuais regras não servem para criar postos de trabalho, apenas servem de fachada, nesse caso, o projeto pode criar problemas. Porque obriga ao cumprimento da lei e ao cumprimento do real propósito da Zona Franca da Madeira. Ou seja, estamos a obrigar o regime existente na Madeira a cumprir o propósito que diz querer cumprir, e acabar com a hipocrisia de quem diz defender o offshore da Madeira para criar emprego, mas quando há uma lei que o obriga a fazê-lo, vota contra essa lei.

Em segundo lugar, o projeto do Bloco vai mais longe e não quer apenas a criação de emprego, quer também acabar com benefícios fiscais que achamos que são injustificados. Admitimos que a região autónoma da Madeira é uma região ultra periférica, que precisa de ter apoios à criação de emprego e atividade económica. Obviamente, isso seria mais fácil se não tivesse sobrendividada por anos de governação jardinista, nem tivesse tido dois plano de austeridade aprovados por governos da direita. Achamos que os benefícios para as empresas que se situam na Madeira e que criam emprego, têm de ser para as empresas, e não para lucros distribuídos a acionistas, e por isso propomos o fim da sua isenção.

A região autónoma da Madeira é uma região ultra periférica, que precisa de ter apoios à criação de emprego e atividade económica. Obviamente, isso seria mais fácil se não tivesse sobrendividada por anos de governação jardinista, nem tivesse tido dois plano de austeridade aprovados por governos da direita.

Por outro lado, relativamente ao argumento que foi dado pelos representantes do centro de negócios, este projeto não tem efeitos retroativos, por isso não vai mexer nas empresas que já estão instaladas na Madeira. A chantagem de que vai destruir centenas de milhares de postos de trabalho, por um lado, é mentira, porque isso seria assumir que o offshore criou centenas de milhares de postos de trabalho; por outro, faz pouco sentido, porque só terá efeito no futuro.

Todos os escândalos bancários que aconteceram em Portugal nos últimos anos têm a comum a utilização de offshores. O que é que falta para se mudar este cenário?

Os offshores não são uma entidade separada do sistema, eles fazem parte da forma, do funcionamento e do desenho dos sistemas financeiros e dos sistemas legais. Não podemos achar simplesmente que os offshores são pequenas coisas ou excrescências, não são exceções ao sistema, eles fazem parte do sistema.

E também não podemos ser ingénuos ao ponto de achar que podemos acabar com os offshores do mundo, ou que podemos, de um momento para o outro, alterar todas as regras. Acabar com os offshores do mundo implica mudar a forma como o sistema funciona, e sabemos que esse não é o interesse de muita gente, incluindo dos grupos parlamentares que estão na Assembleia da República portuguesa. Portanto, a prevalência de offshores faz parte deste sistema e precisa de uma alteração e intervenção muito mais profunda para poder ser alterada, inclusive precisa de alguma ação internacional.

O Estado não pode exigir tudo aos pequenos contribuintes e trabalhadores, sendo depois complacente com os grandes contribuintes, os mais ricos, os grandes grupos económicos.

Mas isto não quer dizer que a nível nacional não possamos ter restrições à utilização de offshores e não possamos de facto apontar baterias ao branqueamento fiscal, à fuga ao fisco e à desigualdade fiscal causada por estas jurisdiçõess. Por isso, o que estamos a propor é a exigência máxima do Estado português no que diz respeito a este tipo de jurisdições e a este tipo de operações. E a intransigência total do Estado, que não pode exigir tudo aos contribuintes, em particular aos pequenos contribuintes e aos trabalhadores, sendo depois complacente quando faz as leis e as fiscaliza sobre os grandes contribuintes, os mais ricos, os grandes grupos económicos.

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