Uma estratégia de política económica autárquica de matriz socialista terá bastante a ganhar se usufruir dos avanços realizados na última década pelos movimentos de transição e de economia social solidária. As estratégias, práticas e tecnologias desenvolvidas por estes movimentos podem servir de base para um modelo de desenvolvimento local de base cooperativa e ecológica, fundamentado em iniciativas que sustentem a difusão e integração das mesmas na vida diária das populações e dos territórios.
Com esse objetivo, sugere-se a criação de uma rede nacional de “projetos-piloto integrados de transição”, com base em parcerias entre municípios e a rede pública de ensino e investigação científica. Tal colaboração contribuirá para esbater as barreiras económicas e culturais que tendem a travar a difusão e integração das práticas e tecnologias desenvolvidas no âmbito dos movimentos de transição e economia social solidária no quotidiano das populações e dos territórios.
A ideia geral é criar uma rede de projetos-piloto municipais que sirvam para desenvolver, testar, difundir e integrar, a nível das freguesias, tecnologias e práticas de transição para as energias renováveis e economia cooperativa no meio urbano e rural. Tais projetos-piloto serão geridos coletivamente e de forma participativa, tendo como instrumento principal de gestão as assembleias de junta de freguesia. As suas infraestruturas servirão para incubar estratégias de implementação de energias renováveis e cooperativas de produção e comercialização, além de cooperativas habitacionais, educativas e culturais. As suas infraestruturas e órgãos também servirão para incubar e gerir moedas sociais e sistemas comunitários de microcrédito.
Cidades europeias, tais como Ghent e Barcelona, já estão a desenvolver estratégias semelhantes (https://stad.gent/smartcity-en/news-events/expert-michel-bauwens-researches-ghent-%E2%80%98commons-city-future%E2%80%99 ).
Num texto publicado a 31/01/2017 no blogue da P2P Foundation (https://blog.p2pfoundation.net/top-p2p-trends-2016-part-one-replacing-neo-liberal-globalization/2017/01/31), Michel Bauwens, investigador e ativista do movimento dos bens públicos (“commons”), faz uma análise das tendências mais marcantes da oposição à globalização neoliberal durante o ano de 2016, assim como uma previsão da sua evolução no futuro próximo. O autor argumenta que uma das tendências mais marcantes do ano anterior, sobretudo na Europa, que prevê que se fortaleça nos próximos anos, é a da multiplicação de “projetos-piloto integrados de transição” para uma economia cooperativa e ecologicamente sustentável. Tais “projetos-piloto” são desenvolvidos sobretudo no âmbito de iniciativas de revitalização de bairros degradados ou aldeias em risco de desertificação. Estas iniciativas integram a gestão coletiva de infraestruturas públicas com a promoção de autonomia e eficiência energética a partir de tecnologias baseadas em energias renováveis. Tais infraestruturas servem de base para iniciativas comunitárias de segurança e auto-determinação alimentar (ex: hortas comunitárias), assim como para a incubação de cooperativas de produção e comercialização. São geridas coletivamente e de forma participativa através de tecnologias sociais com base em valores pós-capitalistas e pós-patriarcais. Tais “projetos-piloto” reconhecem e estimulam a integração, nas suas práticas de gestão e nas iniciativas que incubam, de formas de valor social que, devido à sua natureza simbólica, afetiva ou estética escapam às leis do mercado e são por isso dificilmente quantificáveis nos modelos tradicionais de contabilidade. Muitos deste projetos incluem moedas alternativas que estimulam a economia local ao mesmo tempo que eliminam os incentivos para a especulação financeira, a inflação e a acumulação de capital.
Este tipo de estratégia promove a resiliência de núcleos rurais e urbanos face a choques económicas e ambientais. Tal acontece nomeadamente através da promoção de um nível de integração, coesão e solidariedade social que não é possível a partir de estruturas e modelos de desenvolvimento económico de base individualista e acumulativa.
Artigo de Ana Margarida Esteves, Socióloga, Editora (interfacejournal.net), Investigadora Associada do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL), Centro de Estudos Internacionais