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Projeto do hospital Lisboa Oriental “chega a ser criminoso”, diz diretor do D. Estefânia

O diretor do hospital de D. Estefânia diz que é impossível meter no futuro Hospital Lisboa Oriental o equivalente a seis hospitais e critica a falta de discussão pública. O pediatra alerta que "as crianças vão ser penalizadas”.
Hospital Dona Estefânia em Lisboa, Por Juntas - Obra do próprio, Domínio público, wikipedia
Hospital Dona Estefânia em Lisboa, Por Juntas - Obra do próprio, Domínio público, wikipedia

Em entrevista publicada pelo “Expresso”, o diretor de Pediatria do Hospital Dona Estefânia, Gonçalo Cordeiro Ferreira, vem a público “a título pessoal” para contestar o processo “opaco” de construção do novo Hospital Lisboa Oriental, que considera ser o maior investimento em saúde das últimas décadas. Está previsto, segundo o jornal, que este hospital seja uma parceria público-privada na zona de Marvila, avaliada em 500 milhões de euros.

Lições da pandemia

Gonçalo Cordeiro Ferreira afirma que “a pandemia ensinou-nos lições extraordinárias” e sublinha que, em primeiro lugar, “desconstruiu um mito propagandístico divulgado pelos economistas da saúde de que, no futuro, era para diminuir o número de camas de internamento”. O pediatra lembra que “andámos aflitos” por falta de camas, que foi tudo feito a correr e custou muito mais. “É uma lição de humildade para os economistas da saúde, para ouvirem mais os médicos”, salienta.

Ditadura dos ministros das Finanças”

Ainda sobre a pandemia, o diretor do D. Estefânia destaca que “quando a pandemia surgiu, o SNS estava completamente desnatado em termos de pessoas e de equipamento, o que aconteceu porque, como nunca desde o 25 de Abril, a Saúde estava completamente dependente da ditadura dos ministros das Finanças”.

“Vítor Gaspar e Mário Centeno foram autênticos ministros da Saúde, cuja única função era fechar as torneiras”, frisa o pediatra, salientando que essa situação obrigou a um grande esforço em equipamentos e recursos humanos, que sairá muito caro no futuro. “Mais uma vez sacrificamos as perspetivas de futuro ao presente”, realça, alertando que “tenho muito medo de que voltemos a não aprender nada”.

Sem qualquer discussão pública

Questionado se o modelo do novo hospital Lisboa Oriental não responde às lições da pandemia, o diretor do D. Estefânia diz que não pode “responder com firmeza”, porque “nunca me foi mostrado o plano funcional do novo hospital”.

“Começou a ser falado em 2005 e atravessou até agora, quatro governos, cinco ministros, três ARSLVT e três administrações do Centro Hospitalar de Lisboa Central (CHLC). O primeiro programa que surgiu era aterrador e todos os responsáveis disseram que tinha de ser profundissimamente alterado”, revela, acrescentando que “”algumas críticas foram acolhidas, mas a partir daí gerou-se um silêncio assustador”.

Gonçalo Cordeiro Ferreira diz que o programa continuou a evoluir, “quase clandestinamente” e “ainda não veio à luz do dia”, e critica “a forma lamentável como está a ser feito, sem qualquer discussão pública”.

Redução de 1.300 camas para 875 no futuro Lisboa Oriental

Questionado se haverá uma redução de 1.300 camas para 875, Gonçalo Cordeiro Ferreira diz que circula um programa funcional, “não sabemos se é apócrifo ou não”, que aponta para isso.

“É impossível lá meter o equivalente a seis hospitais”, afirma o pediatra e acrescenta: “Fala-se em flexibilização, mas o máximo que apontam nem sequer chega para as encomendas. Na Pediatria teremos cerca de 96 camas, com os planos de contingência, e para tudo - Ortopedia, Cirurgia... Temos cerca de 190. Mas se nas camas a situação já não é boa, no ambulatório a situação seria ainda mais absurda, com não mais de 20 gabinetes de consulta externa, incluindo até a própria Ginecologia e Obstetrícia e cinco gabinetes para as Especialidades Pediátricas”.

“Se for mesmo assim, não é miopia, chega a ser criminoso porque estamos a condenar este hospital à insignificância e a morrer antes de abrir”, acusa Gonçalo Cordeiro Ferreira, esclarecendo que teve conhecimento não oficial, pois “não houve uma apresentação oficial do plano”.

O diretor do D. Estefânia diz que se surpreende com a falta de escrutínio político e mediático do futuro hospital Lisboa Oriental, “que seguramente será uma obra cara, e um marco para o país e para Lisboa”, e que espera que na campanha eleitoral para Lisboa “o assunto venha à tona, e que os candidatos digam o que pensam que Lisboa precisa e merece”.

A Pediatria precisa de um espaço próprio

Gonçalo Cordeiro Ferreira defende ainda que “a Pediatria precisa de um espaço próprio, que permita instalar todas as conquistas para as crianças feitas pelo D. Estefânia”.

“Uma torre integrada num hospital de adultos não serve. O que se passou foi que se sabia que as pessoas não concordariam com este projeto e foram mantidas longe, enquanto os concursos avançavam, porque foi tudo liderado, acredito eu, pela pressão das Finanças, com a cumplicidade da Saúde”, acrescenta.

A concluir, o médico e pediatra afirma: “Este nunca foi um assunto fundamental. E agora tem de chegar à discussão pública, que constrói a vontade política. O que me choca mais é a total opacidade. É assustador”.

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