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Precária há 15 anos

Há 15 anos que me contratam com o falso intuito de trabalho temporário, de cobrir necessidades pontuais.
E há 15 anos que me vejo a desempenhar tarefas de responsabilidade duradoura e vínculos laborais que são tudo menos pontuais.
 Por Joana Leite
"Somos nós que temos respondido com coragem às necessidades emergentes de um país costurado por laços precários de trabalho escondidos sob o falso pretexto do recibo verde"
"Somos nós que temos respondido com coragem às necessidades emergentes de um país costurado por laços precários de trabalho escondidos sob o falso pretexto do recibo verde"

Sou arqueóloga, sou formadora, sou investigadora. Sempre trabalhei e há 15 anos que passo recibos verdes (em alguns dos casos trabalhando em simultâneo para duas entidades): 11 anos numa escola profissional, 7 anos como prestadora de serviços de arqueologia numa câmara municipal, sensivelmente 2 anos como investigadora de uma faculdade pública e 2 anos como formadora de uma instituição que devia zelar, mais do que nenhuma outra, pela justiça dos seus laços laborais.

Todas estas experiências profissionais estiveram sujeitas a um horário de trabalho, a uma hierarquia (trabalho subordinado) e ao usufruto das instalações/ recursos/ equipamentos das próprias entidades, pelo que o desempenho das minhas funções foi tudo menos "independente”.

Apesar de rodar nesta geringonça há quase duas décadas não me conformo e continuo perplexa com este sistema que nos tenta vencer pelo cansaço. É inacreditável a forma como este país nos trata. É inadmissível que assistamos a tudo em silêncio e se ouça apenas o eco mudo de um trabalho de milhares de trabalhadores que têm sido a força ativa de um país sem qualquer estabilidade laboral e altamente penalizados pela carga fiscal a que têm sido sujeitos.

Nós também alimentamos reformas, trabalhamos incansavelmente em vários projetos em simultâneo.
Somos nós que nunca deixamos de ser criativos e nos reinventamos. Não podemos adoecer, nem ficar desempregados porque trabalhamos à hora e os subsídios são raros, minguados e tardam.

Somos nós que temos respondido com coragem às necessidades emergentes de um país costurado por laços precários de trabalho escondidos sob o falso pretexto do recibo verde.

Como é que Portugal assiste com a desfaçatez de uma ignorância incomensurável a quem tanto tem contribuído?

Por Joana Leite, arqueóloga, formadora e investigadora

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