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“Prazer, camaradas!”, a dramatização da ousadia revolucionária pós-25 de abril

O filme de José Filipe Costa que recria histórias de cooperativas e aldeias nos momentos que se seguiram à revolução dos cravos vai estrear-se no Festival de Cinema de Locarno no próximo dia dez de agosto. É um exercício de ousadia na forma de (re)criar histórias que se vão perdendo na memória.
Imagem do filme "Prazer, camaradas!" no facebook da produtora "Uma pedra no sapato"
Imagem do filme "Prazer, camaradas!" no facebook da produtora "Uma pedra no sapato"

Os rostos envelhecidos não combinam em nada com as idades que dizem ter. E esta foi mesmo a a estratégia principal de José Filipe Costa ao realizar “Prazer, camaradas!”, o filme que vai estrear no Festival de Locarno na Suíça.

A este desencontro fundamental soma-se outro. Neste filme, cruzam-se as histórias de portugueses e de estrangeiros que vieram ver como era a revolução no mundo rural português. A apresentação da obra parte dessa provocação: “Querem saber quem somos? Como tratamos as nossas mulheres e crianças? Como convivemos e amamos? Venham daí! Vamos estranhar-nos, vamos desentender-nos de certeza, que tudo faz parte desta revolução-festa!”

E o que agora faz parte desta “revolução-festa” é o que é recriado por quem a viveu. José Filipe Costa justifica esta escolha à Lusa: “mais do que fazer entrevistas a estas pessoas ou elas contarem as histórias como se estivessem no passado, a ideia era elas, tendo a idade que têm, começarem por dizer ao espectador que têm 20 e tal anos, que estão a viver novamente o 25 de Abril”.

Um processo de dramatização da memória que é uma forma diferente de regressar às histórias do período revolucionário de meados dos anos 70 em Portugal, depois do seu filme de 2011, “Linha Vermelha”, ter revisitado o documentário do alemão Thomas Harlan sobre a ocupação da Torre Bela.

“Prazer, camaradas!”, por outro lado, segue as histórias das ocupações da Quinta da Ameixoeira, Quinta da Marquesa, Comuna de Aveiras e da própria Torre Bela tal como encontradas nuns dossiers elaborados por um casal de alfabetizadores que viveu numa cooperativa. E, assim, para lá das próprias histórias, segue também o interesse e olhar de quem, vindo de fora, tentava compreender o que se passava naquele peculiar processo revolucionário. Um interesse, por exemplo, em “como eram as relações homens/mulheres, a intimidade, os abortos” que aproximam os seus relatores a “etnólogos que vinham para um campo de pesquisa, não vinham só trabalhar naquelas cooperativas, mas vinham também registar e ouvir, porque achavam muito importante ouvir e compreender quem eram as pessoas com quem estavam a relacionar-se”, diz José Filipe Costa nessa mesma entrevista.

Este filme propõe-se ser uma peça que fica algures entre a recriação do que ficou esquecido das histórias de cooperativas e cuja memória importa libertar e a criação feita através do jogo do “faz de conta” que foi pedido aos atores. Este partia não da reconstituição da experiência passada tal como se terá passado mas sobretudo da dramatização, ou seja, esclarece em comunicado o realizador, de um exercício em que “lançam-se dados para serem vividos no aqui e agora da filmagem”. Desta forma, não há tanto o decorar de “um texto previamente dado” ou o simples “rebuscar de recordações” mas a invenção de “um tempo suspenso, como se convidassem o espectador para um jogo, em que passado e presente nunca estão delimitados, mas são mesclados.”

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