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Povo Rohingya: Mais de um quarto em fuga da limpeza étnica

Em duas semanas, 300 mil pessoas fugiram para o Bangladesh, tentando escapar às execuções e violações dos militares birmaneses. O povo rohingya é um dos mais perseguidos do planeta e é considerado apátrida, porque desde 1982 a Birmânia (Myanmar) retirou-lhe os direitos de cidadania.
Refugiados Rohingya em Ukhiya, Cox's Bazar, Bangladesh, 11 de setembro de 2017 – Foto de Abir Abdullah/Epa/Lusa
Refugiados Rohingya em Ukhiya, Cox's Bazar, Bangladesh, 11 de setembro de 2017 – Foto de Abir Abdullah/Epa/Lusa

O Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Zeid Ra'ad al-Hussein, denunciou que está em curso uma “limpeza étnica”. Fê-lo na passada segunda-feira, 11 de setembro, na 36.ª sessão do Conselho dos Direitos Humanos em Genebra.

Nas últimas duas semanas, 300 mil rohingya fugiram das violentas perseguições, violações e execuções levadas a cabo pelas forças armadas da Birmânia (Myanmar), procurando chegar ao Bangladesh.

O alto comissário afirmou que teve conhecimento de "imagens de satélite" em que se veem "as forças de segurança e milícias locais a queimarem aldeamentos de rohingya", referindo também "execuções sumárias, e inclusive o disparo sobre civis em fuga".

Povo Rohingya: uma minoria muçulmana discriminada há décadas

Os rohingya são um grupo étnico, maioritariamente muçulmano, que vive no estado de Rakhine na Birmânia (Myanmar), país em que 90% da população é budista. Mais de 1,1 milhões de rohingya vivem neste estado da Birmânia e, noutros países (Bangladesh, Paquistão, Nepal, Tailândia, Malásia, Índia, Indonésia e EUA), viverão mais de outro milhão de pessoas1. O estado de Rakhine é um dos mais pobres do país.

Desde 1982 que os rohingya não são reconhecidos como cidadãos pelo poder da Birmânia (Myanmar), que reconhece 135 etnias, sendo oficialmente considerados apátridas e tratados como “imigrantes ilegais”. Têm sofrido dura repressão, acentuada em certos períodos (como está a acontecer atualmente), estão limitados no acesso à educação e à saúde e têm quotas de entrada em certas profissões e na função pública.

Perigosa travessia marítima para fugir da limpeza étnica

De acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR)2, as pessoas rohingya forçadas a fugir lançaram-se em frágeis barcos de pesca, enfrentando os mares agitados da Baía da Bengala, para tentarem chegar ao Bangladesh. Não têm quaisquer garantia de serem bem acolhidos, mas fogem da “limpeza étnica” dos militares birmaneses.

As famílias rohingya em fuga procuram chegar ao sudeste do Bangladesh, às praias de Teknaf, e pela travessia pagam entre 5 mil e 10 mil taka, a moeda local3. O ACNUR refere que os refugiados que não conseguem pagar são presos pelos donos dos barcos.

“Crianças, mulheres e famílias inteiras estão a sair das suas casas e a deixar tudo o que possuem para trás, caminhando longas, cansativas e desconhecidas jornadas, na esperança de encontrar segurança nos campos de refugiados de Bangladesh”, refere a notícia do ACNUR, sublinhando que “eles estão com fome, em condições físicas precárias, e precisam de apoio para salvar as suas vidas após a terrível experiência”.

Brutal ofensiva militar do exército birmanês

A grande repressão do exército contra o povo rohingya no estado de Rahkine, que está atualmente em curso, teve início no final de agosto e seguiu-se a um conjunto de ações de um grupo muçulmano, o Exército de Salvação dos Rohingya de Arakan (ESRA).

O ESRA realizou, no segundo semestre de agosto, um conjunto de 30 ataques a esquadras da polícia e a uma base do exército da Birmânia, justificando essas ações com a repressão policial em Rakhine (que o povo rohingya chama Arakan), que aumentou desde setembro de 2016. O ESRA é considerado um grupo terrorista pelo exército da Birmânia (Myanmar).

A ofensiva desencadeada pelo exército da Birmânia (Myanmar) já matou mais de 1.000 pessoas rohingya e provocou a fuga de mais de 300 mil pessoas para o Bangladesh. Em cada dia, mais de 15.000 pessoas em fuga atravessam a fronteira com o Bangladesh. No seu ataque o exército faz execuções sumárias, pratica violações diversas, expulsa populações, queima aldeias - a Human Rights Watch identificou 17 aldeias destruídas pelo fogo. Um porta-voz da Birmânia (Myanmar) diz que 176 aldeias de rohingya estão agora vazias4.

No passado fim de semana, o ESRA declarou unilateralmente um cessar-fogo temporário, mas o governo e o exército da Birmânia (Myanmar) rejeitaram fazer qualquer negociação com o que apelidam de “terroristas”.

Aung San Suu Kyi e o “icebergue de desinformação"

Aung San Suu Kyi é a figura mais marcante da Birmânia (Myanmar), perseguida durante décadas pelo poder militar do país, ela foi distinguida em 1991 com o prémio Nobel da Paz. Atualmente, é conselheira de Estado do Presidente Htin Kyaw, mas de facto é a líder do governo da Birmânia (Myanmar).

Suu Kyi, no entanto, não tem denunciado a repressão do povo rohingya e pelo contrário diz que as notícias sobre a repressão militar sobre o povo rohingya é um “iceberg de desinformação”. “A solidariedade internacional com os rohingya é o resultado de um enorme icebergue de desinformação, que visa criar problemas entre as diferentes comunidades e promover os interesses dos terroristas”, disse Suu Kyi.

A atuação da prémio Nobel tem sido duramente criticada por outros prémios Nobel, como Malala Yousafzai e Desmond Tutu, que apelam a que ela faça ouvir a sua voz em defesa da minoria perseguida. Aung San Suu Kyi, no entanto, mantém a sua atitude e decidiu faltar à Assembleia-Geral da ONU, onde estava previsto que falasse no dia 19 de setembro, e para esse dia marcou um discurso na televisão birmanesa onde falará de “paz e reconciliação nacional”.

O Dalai Lama apelou à intervenção de Suu Kyi para que seja instaurado “um espírito de paz e reconciliação” na Birmânia (Myanmar). Na passada sexta-feira, 8 de setembro, Desmond Tutu escreveu-lhe, numa carta aberta: “Minha querida irmã: se o preço político da sua ascensão ao mais alto cargo da Birmânia é o silêncio, então esse preço é demasiado alto”.

A paquistanesa Malala Yousafzai denunciou no twitter a repressão sobre o povo rohingya, apelou ao fim da violência e, diretamente a Aung San Suu Kyi, apelou a que ela faça o mesmo declarando que “o mundo e os muçulmanos rohingya estão à espera”.


1 Ver mais dados e informação na wikipedia em inglês.

3 Cinco a dez mil taka equivalem a um valor entre 60 e 122 dólares.

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