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Portugal, um paraíso fiscal para quem investe em NFT

A cidade escolhida para a edição deste ano da Non Fungible Conference, um evento global dedicado ao mundo dos NFT, foi Lisboa. Os motivos: muito sol e zero impostos.
Foto wiredforlego/Flickr

Um NFT – Non Fungible Token – é um registo único e inalterável de um determinado conteúdo. É “não fungível”, na medida em que não pode ser trocado, por ter propriedades únicas. Ou seja, na prática, um NFT constitui um certificado, que garante a autenticidade do conteúdo e certifica a propriedade de quem o comprou. A autenticidade é assegurada utilizando tecnologia blockchain (o sistema que é utilizado também pelas criptomoedas e que, por ter uma natureza descentralizada, impede teoricamente a fraude).

Apesar disso, o certificado não atribui ao comprador o direito exclusivo sobre o conteúdo. É mais fácil explicar com um exemplo. Imagine-se que alguém faz um desenho e pretende vendê-lo. Para o fazer, pode criar um NFT que regista o desenho e depois vendê-lo a quem estiver interessado, registando-o na plataforma em que criou o NFT. O proprietário fica com o certificado de que o desenho que comprou é autêntico, mas pode reproduzi-lo ou copiá-lo se entender.

Há várias questões que ficam em aberto. Quando alguém vende um NFT, perde os direitos de autor? O comprador pode partilhar o conteúdo que adquire como se fosse da sua autoria? A resposta a estas questões é mais difícil do que parece, devido ao vazio legal reconhecido por vários analistas: André Gouveia, da Proteste Investe, disse à SIC Notícias que “aquele registo nada diz sobre a propriedade do bem, nem quem compra tem quaisquer direitos sobre o bem, a menos que o vendedor de facto faça algum contrato nesse sentido”.

Um mercado em crescimento… que não paga impostos em Portugal

Em todo o caso, o que é certo é que este mercado está a tornar-se popular e envolve muitos milhões. Um relatório do grupo BNP Paribas estimou que o valor total das transações de NFT superou os 16 mil milhões de euros em 2021. E isto sem ter em conta transações que envolvam bots ou operações de lavagem de dinheiro, como explica a equipa que realizou o estudo. O valor pode ser muito superior.

Os promotores da conferência dedicada aos NFT não tiveram dúvidas em eleger Lisboa como local para o evento. E há quem não esconda os motivos para essa escolha. “O sol é bom, mas, para ser sincero, nós viemos para Portugal por causa dos impostos”, disse ao jornal Público Dominik Myczkowski, co-fundador da Tokapi, um mercado de transações de NFT com sede em Lisboa. “A lei torna o país atrativo para investidores na área dos NFT e estes eventos ajudam a promover vários projetos. E este tipo de eventos ainda são novidade”, explica.

“Lisboa é onde ‘tudo está a acontecer’ com os NFT”, diz Christelle Bakima, da Arianne, uma startup francesa especializada no registo de bens de luxo como NFT. A única coisa que não acontece é a tributação dos ganhos de quem compra e vende estes produtos, uma vez que a Autoridade Tributária considera que não existe enquadramento legal para tributar os lucros obtidos com criptoativos (ao contrário do que acontece em muitos outros países da Europa).

É isso que faz surgir empresas como a Based in Lisbon, uma consultora que ajuda empresas e investidores do mundo dos NFT a mudarem-se para Portugal. “Agilizamos o processo dos vistos e ajudamos a compreender a legislação. Desde que lançámos, já reunimos vários clientes. É uma área de enorme crescimento”, diz ao Público o presidente executivo, Filipe Ventura.

Uma bolha especulativa?

A ascensão do mercado de NFT foi visível ao longo do ano passado. Por exemplo, o fundador do Twitter, Jack Dorsey, vendeu um NFT associado ao seu primeiro tweet por 2,4 milhões de euros. Que motivos é que podem existir para uma valorização tão acentuada destes ativos?

Nuno Teles, economista da Universidade Federal da Bahia, identifica um motivo: a especulação financeira. «Os NFT transformaram-se em ativo financeiro especulativo. Isso não tem a ver com a tecnologia e os NFT em si mesmo, mas, sobretudo, com estes últimos anos de política monetária expansionista, com os mercados inundados de liquidez, numa situação de pandemia com poucas possibilidades de investimento: o que nós temos hoje é uma enorme bolha nos mercados financeiros.”, disse ao AbrilAbril.

Tratando-se de ativos cujo valor fundamental é questionável, a valorização financeira e a subida dos preços nos últimos tempos só pode ser entendida como uma bolha especulativa que não tem correspondência com a atividade económica real. Nalguns países, como Portugal, esse processo é alimentado pela ausência de impostos, o que não só retira receitas ao Estado como incentiva atividades com muito pouco valor social. O problema é que, mais tarde ou mais cedo, todas as bolhas rebentam.

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