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Portugal: Quem tem muito ainda mais terá (1976-2005)

Durante 25 anos aproximadamente, quanto maior fosse a fortuna, maior fortuna teria. Em paralelo, quanto mais esta dinâmica se acentua, maior é a discrepância entre os 10% mais ricos e os outros 90%.
Gráfico 1 - Evolução do rendimento médio dos 10% superiores e dos restantes 90%

A Oxfam publicou um relatório sobre desigualdade económica e a acumulação de riqueza.

Além de algumas considerações interessantes ao nível global tais como metade da riqueza mundial estar na posse de apenas 1% da sua população ou que as 85 pessoas mais ricas do mundo têm uma fortuna igual à da metade da população mundial mais pobre.

Além destas considerações, o relatório apresenta algumas estimativas sobre valores concretos, nomeadamente a fortuna dos 1% mais ricos (110 triliões de dólares), a fortuna das 10 pessoas mais ricas da Europa (217 biliões de euros, mais que as medidas de estímulo económico entre 2008 e 2010 que totalizaram 200 biliões de euros), entre outras.

A questão da distribuição de rendimentos, desigualdade e concentração de riqueza foi abordada aqui devido ao recente livro de Thomas Piketty. Este estudo da Oxfam, além de muitos dados a nível global, fornece-nos informação compilada sobre Portugal através da World Top Incomes Database, devido em grande parte ao trabalho de Alvaredo1.

Infelizmente, os dados disponíveis só se referem ao intervalo entre os anos 1936 e 2005 (são poucos os indicadores com dados entre 1936-1976), sendo interessante neste momento ver exatamente a sua evolução posterior com especial atenção para os anos de 2008 e seguintes. Por outro lado, os dados permitem observar a evolução em vários períodos importantes da economia portuguesa, tal como o pós-revolução, e a era cavaquista.

Comecemos pelo básico. Como evoluiu o rendimento médio dos 10% mais ricos em comparação com os outros 90%, entre 1976 e 2005.

O período pós-25 de Abril já foi extensivamente estudado no que diz respeito à abrupta alteração na relação de forças na sociedade contemplando ações como a nacionalização da banca ou a reforma agrária e medidas como a fixação do salário mínimo. É claro segundo a informação oficial que, de facto, esse período resultou numa diminuição da desigualdade entre os 10% com maiores rendimentos e todas as outras pessoas em Portugal.

Fora esse efeito, observa-se a inflexão dessa tendência durante o período governamental da Aliança Democrática (coligação entre PPM, CDS e PSD), com o 7º e 8º Governo Constitucional (anos 80/81), encabeçado em ambos os casos por nem mais nem menos que Pinto Balsemão, com a presença de outros representantes que já eram ou vieram a criar um currículo vasto no que diz respeito a responsabilidades junto de empresas de grande influência. São exemplos de tal, Alexandre Vaz Pinto com uma vasta carreira na banca (Banco Nacional Ultramarino, BES, CGD,...), Ricardo Bayão Horta (Champalimaud, Cimpor, ...) ou Luís Eduardo Barbosa (ligado a vários sectores económicos).

Segue-se um período de refundação da burguesia em Portugal através do poder de Estado em grande parte através da "distribuição amigável" das reprivatizações das empresas nacionalizadas, para a qual não só o então Primeiro-Ministro Cavaco Silva contribuiu em grande parte, mas António Guterres que lhe seguiu não ficou atrás. Enquanto o primeiro foi responsável por reprivatizações em áreas como a banca, seguros, indústria do papel mas também grande parte das empresas de Champalimaud, a Guterres estão ligadas as reprivatizações de empresas sonantes como a CIMPOR, GALP, PT, EDP, BRISA, entre outras.

Esta transferência de capital da esfera do Estado para, na verdade, grandes famílias, como descrito no livro Donos de Portugal2, teve um impacto enorme no aumento dos rendimentos dos 10% que mais auferem (aumentou mais do dobro, 116%) enquanto que os outros 90% no mesmo período sofreram uma redução na ordem dos 9%, durante o período de 1981-1995 (Governos AD, Bloco Central e PSD). No momento seguinte, com os dois governos de Guterres, esta variação, durante o período 1995-2002, embora mais positiva para a maioria das pessoas aponta na mesma para um maior aumento por parte dos 10% que mais auferem (33%) do que os restantes (25%).

Embora os dados demonstrem uma crescente desigualdade entre os 10% com rendimentos mais elevados e os restantes 90%, essa informação nada diz sobre o peso no total nacional de rendimentos. Daí, apresentamos uma seguinte figura que ilustra o peso dos 10%, 5% e 1% que maior rendimentos auferem.

Gráfico 2 - Evolução da percentagem em relação aos rendimentos totais correspondente aos grupos de 10%, 5% e 1% que maiores rendimentos auferem

Numa ordem semelhante à anterior descrita, é possível concluir que desde o momento do começo da refundação da burguesia nacional com o processo de reprivatizações nos anos 80, cada vez mais os rendimentos em Portugal são distribuídos por entre um pequeno grupo de pessoas. De 1981 a 2005, o peso no total de rendimentos nacionais correspondente aos 10% que maiores rendimentos auferem aumentou de 18.84% para 38.25%, assim como os grupos que correspondem aos 5% e 1%, em que aumentou de 12.10% para 26.01% e 3.97% para 9.77% respetivamente. Não será surpreendente que o grupo que maior aumento registou foi o que corresponde ao de 1% das pessoas que maior rendimento auferem (aumento de 146%).

Posto isto, a conclusão geral é que durante 25 anos aproximadamente, quanto maior fosse a fortuna, maior fortuna teria. Em paralelo, quanto mais esta dinâmica se acentua, maior é a discrepância entre os 10% mais ricos e os outros 90%.

Resta saber se esta tendência é possível continuar sem uma grave crise ou então através dum ataque brutal à democracia. A História parece ter casos para ambos e, adicionalmente, também nos diz que "vira volta", estamos novamente neste ponto.

Por último, seria interessante perceber a evolução destes dados entre 2005 e o presente, por duas razões pelo menos. Em primeiro lugar para compreender para onde vão os rendimentos nacionais em relação aos grupos utilizados neste texto; e, em segundo lugar, para perceber o efeito das privatizações ganhas por entidades internacionais (por exemplo no caso da EDP, REN, ANA, CIMPOR) na acumulação de riqueza dos já mais ricos de Portugal.

Artigo de Nuno Moniz publicado no blogue Inflexão


 

1 Alvaredo, Facundo. Top Incomes and Earnings in Portugal 1936-2005; Explorations in Economic History, 46(4): 404-417, 2009 : PDF

2 Costa, J., Honório, C., Fazenda, L., Louçã, F., Rosas, F. Donos de Portugal. Edições Afrontamento, 2010 : LINK

Sobre o/a autor(a)

Membro da Comissão Permanente do Bloco de Esquerda. Doutorando em Ciência de Computadores
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