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Porque não sobem os salários? (1)

Na passada quarta-feira, a OCDE publicou o Employment Outlook 2018, relatório anual em que analisa as tendências verificadas no mercado trabalho. Postado por Vicente Ferreira em Ladrões de Bicicletas

(Este é o primeiro de um pequeno conjunto de artigos sobre a evolução da distribuição de rendimento nas últimas décadas, entre os países desenvolvidos. Ver o segundo.)

Na passada quarta-feira, a OCDE publicou o Employment Outlook 2018, relatório anual em que analisa as tendências verificadas no mercado trabalho, sublinha as principais novidades e avança algumas perspetivas para o futuro.

O relatório deste ano conclui que, no final de 2017, o número de pessoas empregadas nos países membros da OCDE superou pela primeira vez o nível que se registava antes da crise financeira de 2007, prevendo-se que o emprego continue a aumentar nos próximos anos. Em relação à taxa de desemprego, esta encontra-se abaixo ou próxima do seu nível pré-crise na maioria dos países que compõem o estudo. No caso português, a taxa de desemprego encontra-se atualmente em 7,3% (estimativa do INE para Maio deste ano), o que constitui uma melhoria face a 2007 (quando se encontrava perto de 8%, antes de ter disparado para mais de 17% durante a crise).

Contudo, a conclusão mais relevante do estudo é a de que o crescimento dos salários não acompanha a evolução favorável do emprego. Na verdade, os redatores do estudo referem que “no final de 2017, o crescimento dos salários nominais na OCDE era apenas metade do que era há dez anos”. Como seria expectável, a estagnação salarial afeta principalmente os países mais afetados pela crise (como Espanha, Itália ou Portugal).

Os redatores do relatório prosseguem: “O sinal mais preocupante é que a estagnação salarial tem mais impacto negativo sobre trabalhadores mal remunerados do que sobre os do topo.” O relatório revela que o crescimento dos salários reais tem sido substancialmente superior para o 1% do topo dos assalariados. São apontados como fatores explicativos para esta tendência a baixa inflação e a desaceleração da produtividade, bem como o aumento do emprego mal remunerado.

Contudo, para identificar as causas fundamentais que explicam a estagnação dos salários, precisamos de recordar que este não é um fenómeno recente entre os países desenvolvidos, mas antes uma tendência de longo prazo que se tem verificado desde meados dos anos 70 do século passado. Uma análise da distribuição funcional do rendimento (que, traduzido do economês, significa a divisão do rendimento total entre quem contribuiu para a produção, ou seja, trabalho e capital) permite-nos observar a tendência de diminuição da parte destinada aos salários (sobretudo no Japão e nos países da Europa continental), como nos mostra o gráfico:

Além disso, se olharmos para a distribuição dos salários encontramos também uma tendência para o aumento da desigualdade, mais acentuado nos países anglo-saxónicos. Veja-se a evolução da desigualdade de rendimento no caso norte-americano:

A tese que reúne maior consenso entre os economistas convencionais é a de que a distribuição funcional do rendimento é explicada pelo progresso tecnológico. Esta tese insere-se na visão neoclássica acerca da distribuição do rendimento, segundo a qual os salários e os lucros são determinados pela produtividade marginal de trabalhadores e capital, ou seja, pelo seu contributo relativo para a produção. Apesar de depender de um conjunto de hipóteses pouco realistas (mercados perfeitamente competitivos e pleno emprego dos fatores em economias cuja produção pode ser descrita por um determinado tipo de funções matemáticas), esta é a visão que possui maior destaque na literatura sobre o tema.

Por este motivo, alguns relatórios (por exemplo, da Comissão Europeia e do FMI, 2007) têm procurado explicar a tendência de diminuição da parte dos salários no rendimento total com base na ascensão das tecnologias de informação e comunicação (TIC), que terá favorecido os trabalhadores mais qualificados e o capital físico utilizado na produção, em detrimento dos trabalhadores de baixa qualificação. Esta é também a linha de raciocínio seguida pela OCDE na análise e nas recomendações do relatório publicado este ano.

Ao contrário desta tese, argumentarei que existem outras causas que ajudam a explicar de forma mais consistente a longa estagnação dos salários reais nos países desenvolvidos:

1. Financeirização e globalização
2. Reformas laborais

Um estudo completo destes fatores implica a sua contextualização histórica e uma análise da sua evolução e das suas consequências. Por outras palavras, implica que procuremos identificar as raízes do problema. Será esse o foco dos próximos artigos.

Postado por Vicente Ferreira em Ladrões de Bicicletas

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Economista
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