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Por uma posição democrática anti-guerra face à invasão da Ucrânia

O movimento anti-guerra devia exercer pressão sobre a China para incitá-la a defender no caso da Ucrânia os princípios do direito internacional de que não para de se reivindicar, continuando a criticar atitudes belicosas contra Pequim como de Washington e Londres que prestam um desserviço à causa da paz mundial. Por Gilbert Achcar.
Banksy na Ucrânia. Foto de Ron Frazier/Flickr.
Banksy na Ucrânia. Foto de Ron Frazier/Flickr.

Face à invasão da Ucrânia pelo regime de Vladimir Putin, o movimento anti-guerra viu desenvolverem-se posições fortemente contrastadas. Têm em comum reivindicar-se todas da paz, uma palavra por detrás da qual se podem colocar atitudes muito diversas, até opostas.

Encontram-se, de facto, de um lado, apelos a um cessar-fogo incondicional que deixam entender ou mesmo que o afirmam abertamente que os Estados da Nato deveriam forçar os ucranianos a parar de combater deixando de lhes fornecer os meios de que precisam para se defender. Esta posição, ainda que possa emanar em alguns casos de pacifismo autêntico e de um desejo real de poupar vidas humanas, não deixa de ser altamente problemática ao não definir as condições do cessar-fogo desejado. Na tradição do movimento anti-guerra, qualquer apelo ao fim dos combates em caso de invasão de um país pelo outro deve ser acompanhado pela exigência de retirada dos invasores, sem a qual se pode legitimamente suspeitar de que se esteja a querer ratificar a aquisição de território pela força.

Do outro lado, encontram-se as posições anti-guerra de quem acredita que a oposição à invasão russa e o apoio ao direito dos ucranianos de se bater pela libertação do seu território é a consideração prioritária. Se este ponto de partido é obviamente mais legítimo porque toma partido das vítimas da agressão, pode, contudo, conduzir a elevar demasiado a fasquia da paz. Em alguns casos, não se chega sequer a colocar a questão do cessar-fogo: a paz define-se como tendo como condição necessária a retirada das tropas russas de todas as partes do território ucraniano internacionalmente reconhecido, o que inclui não apenas a integralidade do Donbass, mas também a Crimeia anexada em 2014.

Seja qual for a intenção que anima tal posição, arrisca confundir-se com a dos ultra-nacionalistas ucranianos de linha dura. Arrisca também opor-se à maioria das opiniões públicas da Europa e da América do Norte que, apesar de simpatizarem com o combate dos ucranianos pela sua legítima defesa, não se querem aliar a um extremismo suscetível de aumentar consideravelmente os riscos de uma conflagração generalizada, até mesmo de uma guerra nuclear, além do seu custo esmagador num período de aguda crise económica global.

Como definir então uma posição anti-guerra democrática anti-imperialista, ao mesmo tempo verdadeiramente pacifista e que garanta os direitos dos povos? Uma tal posição deveria inspirar-se nos mesmos parâmetros que determinaram a posição anti-guerra face a anteriores guerras de invasão na história contemporânea, ainda que tendo em conta, claro, a situação atual no terreno.

Face à guerra de invasão em curso na Ucrânia, uma posição anti-guerra democrática e anti-imperialista deveria incluir as seguintes reivindicações:

  1. Cessar-fogo com retirada das tropas russas para as suas posições de 23 de fevereiro de 2022.

  2. Reafirmação do princípio da inadmissibilidade da aquisição de territórios pela força.

  3. Negociações sob a égide da ONU para uma solução pacífica durável fundada no direitodos povos à auto-determinação: destacamento de capacetes azuis em todos os territórios contestados, tanto no Donbass quanto na Crimeia e organização pela ONU de referendos livres e democráticos que incluam o voto dos refugiados e deslocados originários destes territórios.

A esquerda ucraniana deveria determinar a sua posição sobre as condições para uma cessação dos combates, uma vez que não pode estar incondicionalmente ao lado do próprio governo na guerra em curso.

Dito isto, a menos que houvesse uma mudança política na Rússia que mudaria radicalmente os dados da questão, a retirada das tropas russas dos territórios conquistados depois de 24 de fevereiro é em si mesmo um objetivo muito difícil de alcançar: supõe uma amplificação maior da contra-ofensiva ucraniana, com um apoio quantitativamente e qualitativamente maior dos países da Nato e um aumento da pressão económica exercida por estes países sobre a Rússia.

Este objetivo poderia ser atingido de forma muito mais rápida e com muito menos custos humanos e materiais se a China, o único Estado que tem dispõe de uma influência determinante sobre a posição de Moscovo, se juntasse a este esforço que corresponde aos princípios do direito internacional dos quais não para de se reivindicar: a soberania e a integralidade territorial dos Estados, a solução pacífica dos conflitos. O movimento anti-guerra deveria exercer uma pressão sobre a China para incitá-la a intervir neste sentido, continuando a criticar as atitudes belicosas contra Pequim, nomeadamente as de Washington e de Londres, que prestam um desserviço a este fim, tal como à causa da paz mundial.


Publicado originalmente no A L’Encontre a 30 de novembro de 2022.

Traduzido por Carlos Carujo para o Esquerda.net.

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