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Por que Zelensky suspendeu a atividade de onze partidos ucranianos?

Para o investigador ucraniano Volodymyr Ishchenko, a proibição da atividade destes partidos durante o estado de sítio tem mais a ver com a polarização política pós-Euromaidan e com uma tentativa de consolidação do poder existente do que com preocupações genuínas de segurança devido à invasão russa.
Zelenski em visita às tropas ucranianas no Donbas em abril de 2021. Foto da Presidência da Ucrânia.
Zelenski em visita às tropas ucranianas no Donbas em abril de 2021. Foto da Presidência da Ucrânia.

Num artigo publicado esta segunda-feira na Al-Jazeera, Volodymyr Ishchenko, investigador no Instituto de Estudos da Europa de Leste da Universidade Livre de Berlim, comenta a decisão do presidente ucraniano de suspender durante o estado de sítio a atividade de 11 partidos políticos acusados de terem “ligações à Rússia”.

Esta alegação é o ponto de partida da sua análise. Para ele, se “é verdade que estes partidos são entendidos como “pró-russos” por muitas pessoas na Ucrânia” é também importante compreender o que isso significa atualmente no país. E, para o fazer, é preciso recuar aos acontecimentos de 2014, conhecidos como a revolução da Euromaidan, à invasão russa da Crimeia e à guerra separatista na região de Donbass. Antes deles, havia um “largo campo” na política ucraniana que pedia uma maior integração com a Rússia ou mesmo uma união de Estados. Depois deles, esse campo foi “marginalizado” e o rótulo “pró-russo” foi exagerado: “começou a ser usado para descrever toda a gente que pedisse a neutralidade da Ucrânia” e para “desacreditar e silenciar discursos” de vários tipos, entre os quais os “anti-Ocidentais, iliberais, populistas e de esquerda” Ou seja, qualquer um que fosse crítico dos discursos “pró-Ocidentais, neoliberais e nacionalistas que dominaram a esfera política ucraniana desde 2014”.

Ishchenko esclarece que os partidos agora suspensos por Zelensky “têm relações muitos diferentes com a Rússia”: “apesar da maior parte poder ter ligações com os esforços do soft power russo, que contudo raramente são devidamente investigadas e provadas, outros estão na verdade abrangidos por sanções russas”.

A descrição do sociólogo ucraniano sobre estes partidos é, assim, que mais do que “pró-russos” eles são principalmente “pró-eles próprios”, “tentando capitalizar as queixas reais de uma minoria considerável de cidadãos ucranianos russófonos concentrados nas regiões do sudeste”. Três deles participaram nas últimas eleições e tiveram cerca 2,7 milhões de votos, o que correspondeu a 18,3%.

Sobre os partidos de esquerda que também fizeram parte desta leva de “suspensões”, que, recorda Ishchenko, se segue à proibição de atividade dos partidos comunistas em 2015 na sequência da lei de “descomunização”, esclarece-se que alguns desempenharam um “papel importante na política ucraniana nos anos 1990-2000” mas estão agora “completamente marginalizados”. Portanto, “a ironia é que esta suspensão é completamente desprovida de sentido para a segurança da Ucrânia”. Para além disso, partidos como o Partido Socialista Progressista da Ucrânia têm sido “fortemente e genuinamente pró-russos desde há muitos anos”, contudo “praticamente todos os dirigentes e financiadores deles com algum nível de influência real na Ucrânia condenaram a invasão e estão agora a contribuir para a defesa do país”. A decisão também não faz sentido porque não se percebe como esta iria prevenir quaisquer ações contra o Estado.

Desta forma, Ishchenko defende que a alegação de segurança não faz sentido e que a verdadeira razão por detrás da suspensão “tem muito a ver com a polarização pós-Euromaidan da política ucraniana e a redefinição da identidade da Ucrânia que empurrou uma variedade de posições dissidentes para além das fronteiras do discurso tolerado no país”. Isto para além das tentativas específicas do atual presidente para consolidar o seu poder.

O investigador encontra um “padrão” nesta decisão que se segue às sanções governamentais à imprensa da oposição e aos seus líderes, desde há um ano, “sem providenciar quaisquer provas convincentes de irregularidades”. Exemplo disso são as sanções contra Viktor Medvedchuk, amigo de Putin, e as suas cadeias de televisão, que se seguiram ao crescimento nas sondagens do seu partido. Atualmente, o oligarca fugiu da prisão domiciliária a que estava sujeito e a Plataforma da Oposição – Pela Vida afastou-o da liderança e condenou a invasão.

Ishchenko destaca ainda que esta campanha de sanções contra políticos, partidos e meios de comunicação social gerou “amplas críticas” no país e que muita gente acredita que foi “concebida e implementada por um pequeno grupo” e que foi feita “sem discussão séria, com fundamentos legais dúbios e para defender interesses corruptos.” Esta é uma das razões que leva o especialista a pensar que “há poucas razões para esperar que a suspensão dos partidos seja levantada quando a guerra acabar”. O Ministério da Justiça provavelmente quererá bani-los.

Outra das contradições da decisão de suspensão é que “a colaboração com os invasores nas áreas ocupadas tem sido até agora mínima”, muitos dos dirigentes locais destes partidos já tinham deixado claro que não pretendiam colaborar com a invasão e vários dos seus quadros mais destacados nem teriam à partida interesse em colaborar com um futuro governo fantoche imposto pela Rússia porque assim “arriscariam o seu capital, propriedades e interesses investidos no Ocidente”. Esta suspensão poderá ter, especula Ishchenko, o efeito contraproducente de fazer com algumas destas pessoas “se inclinem mais” para o colaboracionismo se ficarem “convencidas de que não terão futuro político na Ucrânia e até enfrentarão perseguições”. O medo de futuras perseguições nasce de várias notícias sobre prisões de ativistas e bloggers de esquerda e da oposição no contexto da guerra.

Este analista de esquerda conclui o seu artigo declarando que “o governo ucraniano precisa compreender que medidas como estas suspensões alienam partes da opinião pública do país – e fazem-na questionar as intenções dos seus líderes – tornando o país mais fraco e não mais forte e apenas beneficiam o inimigo”.

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