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A política e o fogo

O sistema administrativo e fiscal português premeia o abandono e castiga o cultivo. Tal como nos tempos do Antigo Regime, uma percentagem muito significativa do território — entre vinte a trinta por cento — é riqueza morta em mãos mortas. Artigo de Pedro Bingre do Amaral.

Os incêndios vieram de novo consumir os nossos matos, depois as nossas matas, e finalmente as nossas casas. Na maioria dos casos irrompem nos matorrais dos terrenos incultos; daqui alastram para as matas abandonadas e invadidas por arbustos; por fim estendem as suas chamas aos terrenos de quem ainda cuida das suas florestas, campos de cultivo e edifícios. Os presentes pagam caro a incúria dos ausentes.

O sistema administrativo e fiscal português premeia o abandono e castiga o cultivo. Tal como nos tempos do Antigo Regime, uma percentagem muito significativa do território — entre vinte a trinta por cento — é riqueza morta em mãos mortas. Pela falta de cadastro, não se sabe quem são os proprietários; quando se sabe, não raras vezes são defuntos; contribuem com poucos ou nenhuns impostos, mas oneram os contribuintes com dezenas de milhões de euros anuais na prevenção e combate a incêndios; não respondem perante os danos que a sua incúria traz a terceiros; e não colocam os seus prédios nos mercados imobiliários de venda ou de arrendamento. São, de facto, uma imensa corporação de mão morta.

Na raiz deste problema está a falta de uma política de solos rústicos que resolva os problemas do cadastro da propriedade, da fiscalidade imobiliária rústica, do direito sucessório (quantas centenas de milhar de hectares permanecem na titularidade de defuntos?), do regime jurídico florestal, e da responsabilidade civil por danos ambientais.


Pedro Bingre do Amaral é docente no Instituto Politécnico de Coimbra, especializado em Ambiente, Planeamento Regional e Urbano, e Políticas de Solos. É dirigente de diversas organizações não-governamentais de defesa do Ambiente e Conservação da Natureza e também colaborador assíduo de diversas associações e movimentos cívicos.

Artigo publicado no facebook de Pedro Bingre do Amaral

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