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Polícias gregos roubaram milhões de euros a refugiados detidos

Uma investigação jornalística revelou a prática policial de detenção e deportação ilegal de migrantes e refugiados, roubando todos os seus pertences antes de os mandar para a Turquia.
Foto da polícia de fronteira da Grécia.

O jornal grego Solomon e o espanhol El País investigaram uma prática policial na Grécia que nos últimos seis anos foi responsável por roubar mais de dois milhões de euros a quem chegava à costa das ilhas gregas em busca de asilo. Além de entrevistas com migrantes, funcionários do sistema de asilo gregos, agentes da polícia no ativo e na reforma, advogados e habitantes da província de Evros, junto à fronteira com a Turquia, os jornalistas analisaram centenas de testemunhos recolhidos por ONG sobre operações que resultaram na deportação ilegal de mais de 20 mil pessoas nessa fronteira entre 2017 e 2022.

Esses relatos convergem na identificação do modus operandi policial. A maioria dos migrantes e refugiados são apanhados quando entram no país e em vez de lhes ser dado acesso à possibilidade de requerer asilo ou de ser registada a sua detenção, como exige a lei, são levados para esquadras de polícia, quartéis do exército ou armazéns abandonados, onde são sujeitos a violência. Depois são transportados para a Turquia em lanchas de borracha, mas antes disso são-lhes retirados todo o dinheiro e os pertences de valor como telemóveis, jóias ou relógios. A soma final deste roubo organizado não é conhecida, pois muitas das deportações não são registadas pelas ONG, mas os dados disponíveis permitem estimá-la entre 2,2 e 28 milhões de euros nos últimos seis anos.

Como afirma ao El País Eva Cossé, da ONG Human Rights Watch na Grécia, este roubo tornou-se uma prática sistemática da polícia grega. "Quando lhes confiscas os telefones, eliminas qualquer prova de que ali estiveram. Quando lhes confiscas o dinheiro, tornas a sua vida mais difícil. Quando os deixas nus, outra tendência em crescendo, estás a humilhá-los e desmoralizá-los. Faz parte de uma estratégia para os dissuadir de voltar [a cruzar a fronteira] outra vez".

"Estamos ao nível mais baixo do respeito pela vida humana"

Para Hope Barker, porta-voz da Rede de Monitorização da Violência Fronteiriça, que integra uma dezena de associações que registam a prática de "pushbacks", as ilegais "devoluções a quente" de migrantes nas fronteiras europeias, "não podemos falar de umas poucas ovelhas negras, porque nos últimos anos isto tornou-se parte de uma prática operacional sistemática". E os relatos recolhidos ao longo do tempo confirmam que assim é. Em 2017, apenas em  11% dos incidentes de "pushback" registados os testemunhos denunciavam que lhes tinham tirado o dinheiro, mas em 2022 essas denúncias foram feitas em 92% dos casos. A própria Comissão Nacional de Direitos Humanos, um organismo consultivo do Governo, publicou em janeiro um relatório em que afirma que em 88% dos casos de deportações ilegais os deportados sofreram violência e em 93% dos casos viram o seu dinheiro ser roubado pelos agentes.

"Assistimos a uma grande deterioração quanto ao [aumento do] uso da violência e práticas humilhantes. Estamos ao nível mais baixo do respeito pela vida humana", diz uma fonte institucional grega ao El País. Outra fonte anónima, mas da agência europeia Frontex, confirma que a prática das deportações ilegais é corrente. "Fazemos o mesmo que os outros [países]. Só que eles não são tão hostis [contra os migrantes] como nós", reconhece.

A reportagem aponta ainda que esta prática não se limita aos migrantes e refugiados apanhados a entrar na Grécia. No verão de 2000, um adolescente afegão a viver numa casa de acolhimento em Salonica e que pretendia renovar os seus documentos de asilo, foi apanhado junto a uma estação de autocarros e metido numa carrinha onde estavam outros 20 detidos. Viajaram 350 quilómetros até à proximidade do rio Evros, onde foram detidos numa cela e levados a meio da noite em embarcações para a Turquia. "Expliquei-lhes que tinha documentos, mas eram muito agressivos. Cada vez que tentavas falar com eles, batiam-te", conta o jovem.

As ONG não têm dúvidas de que esta prática criminosa tem a bênção e autorização do Governo grego pois, como explica Eva Cossé, "isso exige mobilizar recursos, ter pontos de detenção à disposição e implica diversas unidades policiais, não são só uns poucos agentes da zona de Evros". E o presidente da União de Guardas Fronteiriços Gregos, Panayiotis Charelas, é o primeiro a reconhecer que "a nossa operação não se fica de forma alguma por Evros, chega até Salonica e mais além".

Filhos dos guardas "aparecem na escola com telemóveis novos"

O roubo de pertences aos migrantes também é assumido às claras na região de Evros, onde muitos dos guardas fronteiriços são recrutados. Na cidade de Orestias, uma fonte do município contou aos jornalistas que os filhos dos guardas "aparecem na escola com telemóveis novos e dizem orgulhosamente que os seus pais os tiraram aos migrantes ilegais". E lamenta que os jovens que concorrem ás forças de segurança e que não têm nada contra os migrantes acabem por assumir "o espírito de grupo" predominante, cada vez mais influenciado pela narrativa da extrema-direita que vê os migrantes como invasores que ameaçam a segurança do país.

Por outro lado, a partilha destas experiências por parte dos migrantes e refugiados leva a que hoje em dia viajem com pouco dinheiro, optando por recebê-lo ao longo do caminho através de sistemas de transferência. E as rotas também se adaptam, com a agência Frontex a dar conta do aumento da frequência da viagem marítima entre a Turquia e a costa italiana, evitando as ilhas gregas mas enfrentando o risco de uma navegação em mar aberto de mais de mil quilómetros que por vezes termina em naufrágios mortíferos como o de há poucas semanas em Crotone.

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